Hoje em dia, quem caminha pelo calçadão da Rua XV, em Curitiba, bem entre as ruas Monsenhor Celso e Barão do Rio Branco, se confronta com uma irregularidade naquele mar de petit-pavês.
Lá, um retângulo de pequenos quadradinhos de vidro, medindo algo entre 2 metros de altura e 50 cm de largura, pode ser confundido com uma espécie de “remendo”.
A realidade é bem mais interessante que isso. Aquela é a escultura pública da artista Laura Miranda, que em 1992 participou com mais 7 artistas do projeto Escultura Pública, agraciando Curitiba com uma série de obras de arte contemporânea que dialogam com diversos lugares da cidade.
![Instalação da escultura pública de Laura Miranda, em 1992. Imagem: MUVI.](http://muvi.advant.com.br/artistas/l/laura_miranda/escultura_publica/mini/c.jpg)
O local que Laura escolheu para realizar o trabalho, a Rua XV, é icônico na capital paranaense. Segundo a antiga funcionária da Casa da Memória de Curitiba, Maria Luisa Farinazzo, atualmente a paisagem da rua é tombada pelo patrimônio histórico e mantém, por lei, suas características visuais praticamente intactas.
Como material, a artista escolheu pequenas placas do vidro, do tamanho dos próprios petit-pavês. À época em que foram instaladas (1992), a delicadeza dos materiais transparentes criavam um enorme contraste com as duras pedras brancas no entorno, sujas e desgastadas pela ação do tempo.
![Instalação da escultura pública de Laura Miranda, em 1992. Imagem: MUVI.](http://muvi.advant.com.br/artistas/l/laura_miranda/escultura_publica/mini/a.jpg)
Com seu trabalho, Laura cumpriu um dos objetivos do projeto Escultura Pública: realizar obras para criar novas relações com o entorno, ao mesmo tempo que fomentassem a contemplação.
Ao mesmo tempo, o material criava uma espécie de conexão com a história do local. Isso porque permitiam ver a terra batida enterrada por debaixo do calçadão, escondida há muito tempo.
Com seu trabalho, Laura cumpriu um dos objetivos do projeto Escultura Pública: realizar obras para criar novas relações com o entorno, ao mesmo tempo que fomentassem a contemplação. Com a característica única do projeto, contrastando com o mar de pedras brancas do calçadão, os objetivos foram atingidos.
Infelizmente, o trabalho da artista foi o único que sobreviveu no local até hoje dos oito realizados pelo Escultura Pública.
![Escultura Pública Curitiba - Escotilha](https://scontent.fbfh2-1.fna.fbcdn.net/v/t1.0-9/16266303_1250207215025853_3603927820464941464_n.jpg?_nc_cat=102&_nc_ht=scontent.fbfh2-1.fna&oh=813f9b2936713060a84193a158189058&oe=5C6F7F26)
O projeto Escultura Pública
No começo da década de 1990, em Curitiba, um grupo de artistas escultores com opiniões convergentes se reuniu. Eles concordavam que, na vida contemporânea – já naquela época -, a cidade estava longe de ser um local que instiga contemplação, a observação de detalhes e do entorno.
Esse grupo, formado pelos artistas David Zugman, Yiftah Peled, Denise Bandeira, Eliane Prolik, Laura Miranda e Rossana Guimarães, também concordava com outra opinião: as esculturas públicas de Curitiba, com sua estética tradicional e autoritária, descaracterizam o espaço público e também não incentivam a contemplação. Os bustos e corpos erguidos nas praças Osório, Santos Andrade e Eufrásio Correa, com caráter de estátua, são exemplos.
Em 1992, com o apoio da Prefeitura, Departamentos de Obras, Praças e Parques, Trânsito e IPPUC, os artistas trabalharam para deixar um legado para cidade: realizar 8 esculturas em espaços públicos da cidade.
Os materiais escolhidos para os trabalhos – vidro, aço, grades de ferro, amianto, entre outros – eram bem diferentes daqueles que comumente foram utilizados para erguer esculturas e estátuas em locais públicos na cidade.
Como eram e onde ficavam
Com o apoio do poder público, os artistas – todos contemporâneos -, realizariam esculturas em diversos pontos da cidade, entre parques, praças e calçadões.
Denise Bandeira criou três enormes telas, de três metros de largura por dois de altura, e as dispôs na Praça do Soroptimismo, na rua Hugo Lange. As telas não mostravam figurações enormes, mas estavam lá para “quebrar” com a visão panorâmica da cidade que é possível ter a partir da Praça.
Eliane Prolik realizou duas esculturas, “Canto I” e “Canto II”. As obras, grandes estruturas geométricas de aço, foram instaladas no Passeio Público e na Rodoferroviária respectivamente.
Já David Jugman instalou no Parque Papa João Paulo II seu trabalho “Os sete elementos”, que consistia em sete figuras geométricas feitas em placas de amianto.
!["Canto II", de Eliane Prolik, originalmente instalado na Rodoferroviária. Imagem: MUVI.](http://muvi.advant.com.br/artistas/e/eliane_prolik/escultura_publica/b.jpg)
Rossana Guimarães, já com grande carreira na escultura, realiza a obra “Coração da Mata”, um coração de ferro instalado entre as árvores do Parque Barigui.
Segundo documentos, o artista Yiftah Peled também participa do projeto, mas não encontramos mais detalhes sobre seu trabalho.
A artista Laura Miranda realiza na ocasião o único trabalho que resistiu até hoje, já comentado.
Destino das obras
Uma série de fatores determinaram a retirada das obras de seus locais originais, mesmo depois da aprovação dos órgãos oficiais.
A primeira briga começou com a imprensa. A Veja Paraná, em sua matéria “Quando a arte vira estropício”, usa imagens dos trabalhos para falar de “espaços públicos feios”, que usam a modernidade como imperativa.
A resposta dos artistas não demorou, gerando textos em jornais e conferências reunindo jornalistas e artistas para falar sobre o assunto.
No entanto, a intenção dos artistas é prejudicada por efeitos mais imprevisíveis, já que muitas das obras públicas começam a ser usadas por moradores de rua ou são alvos de vandalismo.
O trabalho de Denise Bandeira, na Praça do Soroptimismo, é confundido por entulhos pelo chefe da Divisão de Manutenção e Conservação de Praças da Prefeitura, que o retira dali.
A obra de Eliane Prolik, “Canto I”, localizada no Passeio Público, participou de um acidente com um caminhão em alta velocidade, que resultou na morte de um catador de papel. Logo, a Prefeitura remove “Canto I” dali. “Canto II”, instalada originalmente na Rodoferroviária, é também retirada e hoje se encontra no Museu de Arte Contemporânea de São Paulo.
Assim, somente a obra de Laura Miranda restou deste ambicioso projeto que mostrou como os artistas da cidade preocuparam-se com a ligação entre arte e cidade.
Sabiam estes artistas que o espaço público merece ser mais do que um local de passagem, e que arte não precisa sempre estar no museu.