A semana de sol forte animou os jovens integrantes da produtora Xamã Filmes para a organização de seu evento independente, com shows de bandas locais e exibições de suas obras. Tudo ao ar livre seria, caso o domingo curitibano não tivesse amanhecido cinza e com chuva durante todo o dia. Os novos cineastas, porém, reinventaram suas artimanhas.
A Mostra Xamã Filmes aconteceu no último 14 de Abril no restaurante Mamba Vegan, Centro de Curitiba, com entrada gratuita ou contribuição voluntária. Com o tempo chuvoso, tudo aconteceu na parte interna do restaurante, apertado e aconchegante. Belo exemplo de auto-organização e tranquilidade para reinventar na cidade que de tão tensa proíbe até a prática de ioga.
Formada quase na totalidade por estudantes de Cinema da Faculdade de Artes do Paraná, segundo o seu Facebook, a produtora está “buscando recortes do tempo onde o amor e a arte se eternize em imagens”. Segundo Crestani Paz, umas das motivações para o evento é “fazer exibições pra pessoas mais próximas e outros públicos que não frequentam muito os festivais e vão assistir seu filme com a mesma emoção que você fez ele”. Além disso, Isabela Aruana completa, que “esse tipo de interação entre realizadores e público é muito importante. É um estímulo gigante para continuarmos fazendo o nosso trabalho”.
Antes das exibições dos filmes, Guilherme Morilha fez um discurso falando da origem do nome da produtora, já que Xamã é uma palavra usada por diversas culturas, mas o foco da referência é o Xamanismo Brasileiro. Relembrou o nome de algumas tribos que viveram próximas ao exato local em que os filmes seriam exibidos naquela noite e “que foram escravizadas e mortas para que muitas dessas estruturas de concreto fossem construídas”. Com a voz embargada pelo choro contido, completou: “Para construir o futuro, não podemos esquecer o passado. Os filmes não falam disso diretamente, mas há muito em sua essência”.
Intercaladas às exibições dos filmes, as apresentações musicais aconteceram em outra parte do restaurante. A negociação foi de escambo artístico entre músicos e cineastas. Em troca dos shows, a Xamã Filmes produziria um vídeo profissional de uma das músicas. Com êxito, o câmbio foi aceito por Lucas Seman, Dois a Um, Projeto Reinventar, Dopamina Trio e destaque para a jovem KVS.
Formada quase na totalidade por estudantes de Cinema da Faculdade de Artes do Paraná, segundo o seu Facebook, a produtora está ‘buscando recortes do tempo onde o amor e a arte se eternize em imagens’.
Kamille, ou KVS, como é conhecida nos duelos de rimas, é uma rapper de 21 anos residente em Fazenda Rio Grande, região metropolitana de Curitiba. Sua apresentação foi extremamente rica, já que ao invés dos corriqueiros beats, foi acompanhada pela guitarra e bateria do Projeto Reinventar, unindo seu rap ao samba, bossa, MPB, jazz e blues do grupo, antropofagicamente harmonizando os ritmos dos povos americanos. Além disso, KVS é atriz, convergência que guarda “desde a adolescência, dos teatros da escola”, conta ela. Recentemente, participou do curta-metragem Horizonte, de Jessica Candal, ainda em finalização.
Uma das atrações mais esperadas foi a pré-estreia de Dentro de Si, principal produção da Xamã Filmes até agora. Segundo Túlio Borges, diretor, foi um trabalho “na guerrilha total e sem verba”, destacando o aprendizado dirigindo a “primeira ficção mais clássica, num processo mais íntimo com os atores, com mais tempo de ensaio e investigação das personagens”. Outro ponto importante apontado pelo diretor é “haver personagens negros e a gente não discutir questões raciais no filme, algo que é importante abordar sempre que possível, mas é essencial mostrar também pessoas negras apenas vivendo suas vidas”.
Com o seguimento frutífero na carreira da jovem produtora, a Mostra Xamã Filmes pode ter sido um marco na história das novas gerações do cinema brasileiro. Utopismos à parte, o mais importante é tentar manter valores radicais, como a importância da coletividade e de pensar a si mesmo como parte de um todo com passado e futuro. Como diz o refrão de uma das canções apresentadas por KVS, “Eis-me aqui/ Aprendizado da vivência/ disposição ao todo que me fez a referência”.
*Por questões éticas, é importante destacar que os integrantes da produtora são próximos a mim e participei da gravação de Dentro de Si na posição de catering, ou seja, responsável pela alimentação da equipe. O principal ponto disso é que mesmo sem influência direta na realização artística, tive de ler o roteiro e participar das reuniões criativas pré-filme, quase uma versão cinematográfica da Democracia Corinthiana de Sócrates.