Atafona é o cotovelo do mundo esquecido por Deus. É um distrito de São João da Barra, município do norte fluminense, distante cerca de 300 quilômetros da capital do estado. Não há muito o que se dizer da cidade, que nos últimos quarenta anos atravessa um intenso, doloroso e sufocante processo erosivo. Seus pouco mais de 30 mil moradores costumam viver da pesca. Até por isso, é grande o número de restaurantes que comercializam frutos do mar. Quase todos são grandes casas, adaptadas ao recebimento de turistas que por lá passam, hoje, muito mais interessados em ver de perto esse aviso sobre nossas limitações de força do que buscando o pescado mais saboroso da região.
Chegar até lá, um trajeto por trechos curiosos do estado da Guanabara, como uma das empresas de Eike Batista, carrega em si um mergulho na poeira do tempo que insiste em sumir com o que há de nós. Uma imensidão de mar, o encontro do Atlântico com o rio Paraíba do Sul, sumindo, dia após dia. Talvez essa relação metafórica entre o conflito natureza-homem e nossas vidas seja o que cause certo arrepio na espinha. Ao menos foi essa a sensação de minha visita por aqueles metros de terra que o mar insiste em avançar sobre.
Nos cinco anos que separam nosso encontro, me pego refletindo sobre o que não haverá mais por lá, já soterrado pelo tempo, que em Atafona é medido pelo acúmulo, não de riquezas, mas de areia nas portas. Naquele encontro apocalíptico, somos lembrados de nossa pequenez. Próximo aos destroços do “hotel do Julinho”, as ruínas mais impactantes da praia, mensagens espalhadas pelas paredes em tom messiânico. “Jesus está vindo”, avisa uma delas, numa relação dicotômica entre aquele pedaço de mar, proibido para o banho, escondendo restos de construção, vergalhões, concreto sob uma água barrenta, mas que nada tem a ver com poluição, e a faixa de areia que morde as rabetas das casas.
Talvez essa relação metafórica entre o conflito natureza-homem e nossas vidas seja o que cause certo arrepio na espinha.
Em sua extensão mais ao leste, um sem fim de árvores, todas despeladas, cria um contraste ímpar. Não há vida ali, a não ser a nossa própria que, em algum momento da história, também será sucumbida pela areia, pela água, pelo tempo. Por isso, os passos dados em seus grãos tão claros são comumente momentos de reflexão, de tentativa de entender o que se passa ao nosso redor, de decifrar a magnitude natural que sempre nos dá uma dolorosa lição.
As dunas tomam conta do que havia da avenida Atlântica. Se de Grussaí a Atafona, ela nos oferece um cartão postal magnífico, criando um retrato impactante por sua beleza, quilômetros à frente são as pedras e pedaços de azulejos no chão que escancaram que toda beleza rui, toda alegria cessa, toda fonte seca. Ao final, somos também ruínas e barro, mantidos firmes enquanto a avenida não chega ao fim.
Nesta literatura, Jesus é o mar, Atafona o túmulo. Quem é você?