Minha avó materna caminha para seus 95 anos. Na mesma medida, caminha o trajeto sem volta do esquecimento. A cada novo dia fica mais difícil para ela manter intacta as memórias e as recordações de uma vida quase centenária. Ela luta, até sem ter muita noção de que trava uma batalha. Nomes, datas, rostos, acontecimentos. Aos poucos, a vida que ela conhece vai se tornando uma imensa interrogação. Não sei ao certo se por sorte, mas até a angústia do esvaziamento da memória vira, mais cedo ou mais tarde, vítima do mesmo esquecimento.
Dona Sebastiana nasceu e cresceu na fazenda, nos confins do sudoeste goiano. No longínquo 1922, Mineiros, a cidade em que mora e na qual nasci, não passava de um punhado de terra pertencente à cidade de Jataí. Tampouco minha mãe nasceu em uma cidade Mineiros. Fruto de uma realidade em que o estudo era algo raro às mulheres, Dona Sebastiana não completou muitos anos nos bancos escolares. Vivia na fazenda, primeiro para o marido, depois para os filhos, um dos quais perdeu ainda criança, vítima de uma fatalidade com arma de fogo.
Não sei ao certo se por sorte, mas até a angústia do esvaziamento da memória vira, mais cedo ou mais tarde, vítima do mesmo esquecimento.
Dos quatro filhos restantes, dois homens e duas mulheres, assistiu construírem suas vidas, cada qual optando por uma rota com obstáculos, extremamente diferentes e humanamente iguais. Ela, enquanto isso, permaneceu na mesma casa onde fixou residência após abandonar o meio rural, o número cento e quarenta da Avenida Quinta, uma das principais da pequena cidade de 60 mil habitantes.
Netos e bisnetos foram se acumulando, muitos dos quais a mente já se torna incapaz de recordar, eu inclusive. Assim foram os últimos 15 anos, 15 aniversários que apenas a explicação de minha mãe sobre o que se tratava foi capaz de fazê-la buscar nos rincões de suas lembranças a imagem do filho mais novo de sua segunda filha.
Hoje, a sensação é que ela se mantém viva de verdade em nossas recordações, em cada história que algum de nós é capaz de lembrar a cerca destes quase 95 anos de Brasil. Em virtude disso, é nesta crônica onde eternizo minha relação com Dona Sebastiana, um caminho em que o esquecimento nunca estabelecerá uma rota e no qual, mesmo no dia que ela parta, permanecerá viva.