Não me recordo a primeira vez que ouvi Pearl Jam, mas lembro perfeitamente quando tive um disco deles em mãos pela primeira vez. Era 1998, eu estudava no Aníbal de Freitas, um colégio estadual paulista daqueles repletos de gente da classe média alta de Campinas, a mesma que anos antes havia quebrado com o Plano Collor e com o Plano Real, e via uma realidade na qual precisava colocar seus filhos em colégios estaduais. Então com 13 anos, já estava na fase de ouvir muito rock ‘n’ roll, de todas as vertentes possíveis. O Pearl Jam já era minha banda predileta. Conhecia a história da formação do grupo, a fase frentista de posto do Eddie Vedder, o movimento grunge, enfim, tudo que cercava esse período da cultura pop.
Eu e um pequeno grupo de amigos emprestávamos, vez ou outra, alguns discos uns para os outros, de forma a ampliar nosso conhecimento musical. Foi assim que conheci o Angels Cry (1993), do Angra, e o Demanufacture (1995), do Fear Factory. Também foi assim que chegou em minhas mãos o novíssimo Yield (1998), do Pearl Jam. Eu, que já havia passado os últimos dois anos ouvindo Ten, Vs., Vitalogy e No Code à exaustão, poderia ouvir um disco inteiro e original em meu quarto pela primeira vez. Por sorte, o amigo que emprestou não havia gostado do CD e me presenteou com o mesmo.
Passaram-se alguns anos até que, em 2003, fizesse uma tatuagem, minha primeira – e única. Escolhi o stickman, símbolo da banda, que me acompanha até os dias de hoje na batata da perna direita. Nutria o sonho de sair do país para assistir um show do grupo, afinal, o Brasil sempre foi marcado por grandes festivais e, desde o acidente em Roskilde, em 2000, quando nove fãs do Pearl Jam morreram em decorrência de esmagamento durante a apresentação da banda, eles não tocavam mais em eventos deste porte. Muito menos quando havia entre os patrocinadores marcas de cigarro ou bebidas alcóolicas.
Para minha surpresa, em 2005, o Terra, empresa multinacional de internet, criou o Planeta Terra Festival. Sua primeira grande atração (e única daquela edição) foram justamente os garotos de Seattle. Àquela época, eu fazia curso técnico em Administração no Centro Paula Souza e trabalhava cerca de 12 horas diárias em uma empresa de transporte rodoviário de passageiros e cargas. Recebia pontualmente, no sétimo dia útil de cada mês um salário mínimo, exatos 300 reais brutos. O ingresso mais barato custava 70 reais, mas eu não queria ficar na arquibancada. Aproveitei que mantinha uma pequena poupança e adquiri dois ingressos meia-entrada para a pista, um para cada dia de show em São Paulo. Com as taxas de administração, o ingresso saiu por 90 reais cada um. Tinha certeza que valeria cada centavo.
A verdade é que fica difícil transpor em palavras a sensação de estar ali, quase grudado na grade de proteção e ver um artista por quem você possui admiração.
Os dias dos shows foram incríveis, verdadeiramente marcantes. Passei a semana carregando de casa até o trabalho a torre do computador e as caixas de som, daquelas que adquiríamos à parte, juntamente com um conjunto multimídia, jogos (quase todos inúteis), programas e uma placa de som mais potente. Havia adquirido a CPU meses antes, com o dinheiro de um empréstimo, o único que já fiz na vida – 1200 reais muito bem investidos, diga-se de passagem. Fiquei a semana alimentando toda a discografia do grupo em minha memória. Não podia fazer feio no show e errar alguma canção.
Dos dois dias de show no estádio do Pacaembu, em São Paulo, o mais divertido foi sem dúvida o segundo, do dia 03 de dezembro, um sábado. Não havia conseguido minha liberação do trabalho, então fui logo cedo – entrava às cinco e meia da manhã. Durante a semana, havia comprado garrafas de vinho para bebê-las antes do show. Coloquei em uma mochila promocional preta e laranja duas garrafas, uma camiseta preta da banda, calça jeans e tênis, além do ingresso, tal como havia feito na sexta-feira. Me troquei no banheiro da rodoviária e rumei para a capital paulista.
Como todo fã atrapalhado, comprei uma capa de chuva para encarar a garoa paulistana que de nada adiantou. Me perdi nas baldeações necessárias para chegar até a Estação das Clínicas do metrô. Corri toda a extensão do Cemitério do Araçá, na avenida Doutor Arnaldo, mas juro que não foi por superstição. Havia algo bucólico nisso tudo. A garoa, o cemitério, um show de rock. Para chegar na Praça Charles Miller, onde fica localizado o estádio, desci pela escadaria que passa pela parte de trás do Pacaembu e me confundi, novamente, com as filas. Sem me dar conta, furei passei à frente de umas dez mil pessoas. Creio que nunca minha mãe ouviu tantos “elogios”.
Dormi em pé, tomei chuva, tive que me desfazer das garrafas de vinho pela metade, meus cigarros molharam (e, depois, acabaram) e a voz se acabou. A verdade é que fica difícil transpor em palavras a sensação de estar ali, quase grudado na grade de proteção e ver um artista por quem você possui admiração. A neblina e a garoa fina que castigou as mais de 40 mil pessoas naquele templo do futebol paulista eram nada perto daquela sensação de missão cumprida. “Evenflow”, “Alive”, “Black”, “Jeremy” e até “I Believe in Miracles”, um cover dos Ramones, foram entoados em uníssono, e eu, é claro, acredito que a minha voz foi a mais ouvida. Não bastasse tudo isso, ainda assisti ao Mudhoney, banda histórica para o grunge e que acompanhou a turnê sul-americana do Pearl Jam.
Hoje, quando me perguntam se não estou triste por não acompanhar a nova turnê pelo país, respondo que tenho a certeza que já tive a minha primeira vez (e que se repetiu várias outras vezes), que os outros também a tenham.