Observo o homem sentado à mesa do bar do shopping. Não conheço sua história, não sei de suas dores, seus dissabores. Mas percebo a raiva em seu olhar. Uma ira, um amargor que brota menos da cevada e mais da vida. Cada gole é dado com profundidade. As veias saltam em seu pescoço, por onde o líquido escorre seco, arrastado.
Ao voltar o copo para a mesa, ele pega a comanda na qual o garçom religiosamente anota cada um dos copos que subiram e desceram, um exercício duro e difícil no qual ele expurga as tormentas da semana. Cada lombada de seu enrugado rosto esconde um lamento, uma conta não paga, um divórcio, um filho que não atende suas ligações.
Cada lombada de seu enrugado rosto esconde um lamento, uma conta não paga, um divórcio, um filho que não atende suas ligações.
Não sei nada dele além dos signos que interpreto sob a couraça do homem de cabelos grisalhos sentado à mesa do bar do shopping. Uma blusa azul esconde uma camisa com o colarinho sujo, a única ponta de não-vaidade que ele permite que o mundo veja. Seus óculos de aro preto são ajeitados ao fim de cada gole, como se tivessem sido tirados do prumo no entortar daqueles copos que começam a acumular na pequena mesa de um por um.
À frente dele, parece que nada é capaz de tirá-lo deste momento que escolheu para ser só seu, ou que o mundo lhe deu folga das desilusões cotidianas. Ele para, olha o sapato e se agacha para limpar a poeira do tempo que prenunciava uma camada sob o courino.
Seu último gesto é sair da mesa, resgatar a comanda e dirigir-se ao caixa. Abre a carteira marrom, gorda e judiada pelo uso, retira duas notas de vinte, também surradas por todas as mãos que já as tocaram, e entrega ao operador, que sem nem ao menos trocar um olhar com ele lhe devolve seu troco. Ele pega, guarda, se vira e vai embora. Ligeiramente embriagado, com menos dinheiro do que no momento anterior, calado e sozinho, e eu continuo sem nada dele saber. Quem será?