Acho incrível como há algumas semanas aquela nova mania do brasileiro, o Jardim Secreto, permanece em primeiro lugar entre os livros mais vendidos. Não que eu seja contra que você roube os lápis de cor do teu filho, encarne o Picasso e entulhe todas suas redes sociais com fotos repletas de filtros da tua obra prima.
É interessante ver que as pessoas notam o nível de estresse e admitam que precisam fazer algo. Mas a que custo? Depois da máfia dos casamentos, da máfia dos bebês e da máfia das varandas gourmet, a nova moda é a máfia do Jardim Secreto. Sim, porque se você não é casado, não tem um filho, não bate panela e pior, não tem uma caixa de lápis de cor com cento e vinte cores diferentes, você não é benquisto.
Também tive meus vícios, admito. Durante anos usei o cigarro como muleta em minha vida. Depois o café. Resultado: ganhei uma linda e charmosa gastrite. Acontece que não consigo compreender como algo que foi feito para servir como válvula de escape das agruras do dia a dia tornou-se ele mesmo um problema. São grupos e mais grupos no Facebook, tags no Instagram e Tumblr, cada editora lançando sua própria versão. Aí o que acontece? Pessoas roubam fotos dos outros para publicarem como suas, outra vendendo serviço de pintura (Sim! Eu vi num desses grupos, e não era barato), duas amigas brigando em uma (estúpida) competição sobre qual pintura era melhor. Gente, isso não era algo pessoal, um mergulho no seu “eu interior”? Onde foi que me perdi nesta história?
“Depois da máfia dos casamentos, da máfia dos bebês e da máfia das varandas gourmet, a nova moda é a máfia do Jardim Secreto.”
Repito que não estou aqui criticando o amigo que porventura tenha adquirido o Jardim Secreto como um mecanismo antiestresse. Pode ser até que em um momento da vida eu venha a comprá-lo, isso se não for presenteado (gregamente) com um. É que no meu tempo lá na roça, sabe como é, eu desestressava lendo um livro, ouvindo música, vendo um filme ou uma peça teatral. Longe de mim aqui trazer o debate sobre o valor cultural do tal Jardim Secreto. Até porque se ele é secreto, eu não deveria conhecê-lo e muito menos fazer pré-julgamentos.
A questão é que pressinto algo meio tortuoso no caminho para essa alegoria toda. Se dispomos de nosso tempo para ir até uma livraria, banca de jornal, farmácia ou Walmart para adquirir uma cópia do tal livrinho, depois passamos algumas horas pintando, fotografando e postando nas redes sociais – mesmo que tenhamos, por exemplo, pedido para o nosso sobrinho que “manja dos paranauês” da pintura fazê-lo por nós -, o que nos custa dispor de tempo semelhante para alguma outra atividade cultural?
Ainda não estou convencido – até porque Freud deselegantemente tem evitado minhas ligações – que o poder terapêutico das canetinhas da Faber-Castell superem uma Eliane Brum, um Chico Science ou mesmo o filme novo do Jackie Chan. Não nego que por volta dos meus oito anos era apaixonado por aeromodelismo e automodelismo. Cheguei a (colar meus dedos para) montar alguns, entretanto, criava mecanismos que não me impedissem de ter outras formas de diversão, lazer e cultura. Não obstante, tinha oito anos. Enfim, tempos modernos.