Caminhando para o quinto mês de Escotilha e frente aos inúmeros “passaralhos” nas redações jornalísticas, incluindo nas editoriais culturais, uma inquietude tomou conta de mim. Afinal, o que é fazer cultura? Qual a visão que nós, leitores e produtores de conteúdo, temos da cultura e o que artistas e produtores culturais enxergam a nosso respeito?
Creio que em todas as camadas ainda estejamos reproduzindo um discurso enviesado sobre produção cultural. Por vezes, vejo produtores num exercício verborrágico tomando para si (e só para si) a bandeira de baluartes da cultura, estabelecendo um distanciamento quase elitista sobre o que é fazê-la.
O exercício de fazer cultura é, em minha visão, um trabalho conjunto entre quem produz, quem consome e quem divulga. Nesta tríade, a ausência de uma das extremidades rompe com o bom funcionamento de toda cadeia cultural. Dentro desse cenário, o jornalismo teria um enorme papel social de fomentar políticas públicas para a cultura, a partir do momento em que traz à luz o debate sobre o que acontece nos múltiplos braços da arte.
Claro que nem sempre as agendas dos veículos dão conta (ou têm interesse) de cobrir todas as manifestações culturais. Da parte da comunicação, existe um cinismo implícito entre os jornalistas (de forma mais particular), que os leva a crer que são os únicos a saberem o que é bom ou ruim, visões com profundidade de um pires sobre elementos tão subjetivos como as artes.
Até mesmo A Escotilha, por vezes, desliza em sua tentativa de apresentar um mapa mais abrangente, que em raras exceções obtém espaço nos grandes veículos. Não que seja uma desculpa, mas a voluntariedade de quase 20 pessoas é o que mantém este trabalho apaixonado que, sim, ainda fica devendo em sua proposta.
“Não que seja uma desculpa, mas a voluntariedade de quase 20 pessoas é o que mantém este trabalho apaixonado que, sim, ainda fica devendo em sua proposta.”
Dentro de grandes veículos de imprensa, a crítica cultural é, em geral, elitizada. Não há crítica à música sertaneja e ao pagode. O samba e o rap, quando gravados por artistas de renome em seus gêneros, aí sim, ganham espaço. Trago a frase do amigo e jornalista Paulo Camargo, que comenta “a distância abissal entre a imprensa especializada e o grande público”.
Talvez você diga que, devido ao espaço que muitos artistas de gêneros populares têm, o jornalismo cultural, então, não precisaria falar sobre eles. Aí impera o cinismo dito anteriormente; há zero fortuna crítica sobre o “popular”. Novamente, pesco a frase de Camargo: “Ninguém se digna a falar deles”. E os independentes, que até atenção da crítica recebem, ficam sem ressonância popular.
Retorno à pergunta que dá título a esta crônica: o que é, afinal, fazer cultura? Acredito que, juntamente com meu caderno de anotações, meus livros, minha crença em uma cultura acessível a todos e meu espaço em A Escotilha, eu faça, sim, cultura, por mais que a certeza de que, para os baluartes e para os cínicos, eu não faça.
É o paradoxo do Brasil e suas castas, inclusive culturais.
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Texto dedicado aos jornalistas da área cultural, amigos ou não, vítimas dos “passaralhos” e, também, aos que ainda persistem nas redações “fazendo cultura”, mesmo que nem sempre com todo espaço que ela mereça.