Beber para tirar uma folga de si mesmo. Buscar a tontura e o desnorteio que nem sempre a literatura, o cinema e a música conseguem nos dar. Fuga e reencontro. É um ir-se embora de/pra lugar nenhum, para a calma do lugar nenhum e suas estradas cheias de vergonhas e esquecimentos.
É diferente de viajar de verdade, pois é um meio estático de abandono, uma forma de deixar algo pra trás, mas sem ir adiante, sem muito horizonte ou mesmo algum tipo de rumo, há apenas a vontade de deixar de existir no conforto de um hiato, na maciez da covardia.
A vida vai amolecendo diante do copo, da tv sem volume, da risada congestionada do outro lado do bar.
Morre-se e ressuscita-se conforme a medida de líquido oscila pelo copo. “Beber socialmente” significa ter certo controle sobre o seu desamparo diante da existência. Significa que você funciona diante dos olhos dos outros. Significa que você ainda não enlouqueceu, ainda não perdeu o prumo, ainda não sentem vergonha da sua presença, pois você ainda suporta e se comporta, ainda não precisou ser salvo pelo pastor da igreja que funciona numa garagem onde até ontem funcionava uma panificadora.
Você ainda consegue jogar esse jogo.
Ainda.
Morre-se e ressuscita-se conforme a medida de líquido oscila pelo copo. ‘Beber socialmente’ significa ter certo controle sobre o seu desamparo diante da existência.
Ao encarar o espelho, o que busca é um significado que nunca vem. Quem é esse aí?
Um Travis Bickle qualquer que olha pra si, sabe-se lá em qual madrugada, e tenta identificar o que há por trás dos olhos avermelhados: uma troca de sorrisos, um flerte, uma mijada num banheiro imundo, uma briga nos fundos do bar, uma música ruim, uma porção de fritura que será vomitada, um detalhe no rejunte do azulejo da casa desconhecida, um passeio etéreo sob a brisa da madrugada ao voltar pra casa sem saber se é sábado ou domingo, um livro com letras embaralhadas, uma boa conversa, um assalto, um papo vazio sobre coisas desinteressantes, por que eu fui sair de casa, meu deus? um tropeção ridículo, um atropelamento que ponha fim a essa merda, uma explosão de choro às 3h da manhã em frente a uma barraca de cachorro-quente, uma alegria desconcertante, quase histérica, parecida com esperança, uma chance de encontrar o amor da sua vida dançando a sua música favorita, uma disputa de mágoas, um soco na porta do apartamento e o eco da sua vergonha se espalhando pela área comum, uma ansiedade arranhando a garganta, uma tristeza imunda embaralhando seu raciocínio, uma solidão enorme, maior do que a noite de Curitiba?
O que há por trás desses olhos?
O grande cronista Paulo Mendes Campos (a propósito, leiam Paulo Mendes Campos) escreveu que bebemos para empatar com o mundo, pois ele está sempre na nossa frente no placar.
Enquanto você lia isso aqui, levamos mais uns três gols.