Era sagrado: na última sexta-feira do mês, o velho entrava no cemitério carregando uma sacola de supermercado. Ali dentro, duas cervejas quase geladas.
Ia olhando as placas, as fotos, as datas. O início e o fim, o hiato individual. Quanto menor o hiato, maior a judieira, onde já se viu deixar criança morrer?
Passava por túmulos bonitos, feitas de pedra cara e por outros cheios de gavetas empilhadas e descuidadas. Túmulo de gente esquecida, uma solidão que não dava nem tempo de virar tristeza, pois tinha jeito de filme de terror. Melhor apressar o passo.
Sentava no terceiro túmulo da quadra E.
O melhor amigo estava ali dentro, do lado de lá do mármore, desde de 94, aquele da Copa do Romário. Morreu de sigla ruim, AVC, talvez, já não lembra.
A promessa foi feita numa mesa de boteco lá no Largo da Ordem: quem morresse primeiro deveria visitar o túmulo do outro e regar o vaso de flores com cerveja. Uma pra si e outra pro morto.
A promessa foi feita numa mesa de boteco lá no Largo da Ordem: quem morresse primeiro deveria visitar o túmulo do outro e regar o vaso de flores com cerveja. Uma pra si e outra pro morto.
No começo era engraçado, porque meio absurdo, assim como é absurdo o quanto a gente se apega a um amigo.
Que saudade de você, seu lazarento.
Quando isso começou, o velho era menos velho e ficava lá, feito um louco, contando as novidades que o amigo havia perdido e ria sozinho.
Riam juntos.
Seu retardado.
Agora o tempo o arrastou com sua brutalidade de mar agitado e já nem há tantas novidades assim a serem contadas. Ele não consegue nem se lembrar quanto deu no último Atletiba.
O passado, aos poucos, pouco importando.
Tudo o que importa vira abismo, ele sabe.
O tempo vai ficando insuportável. A vida vai ficando tão difícil.
Nesse fim de tarde de abril em que a paisagem vira bronze sob o sol fraquinho, fraquinho tocando as araucárias, o velho fica em silêncio, quebra a promessa e bebe as duas cervejas sozinho.