Estampido é palavra de escrever, não de falar. Disparo talvez seja melhor. Disseram que a PM anotou “estampido” na ficha, só que o que a gente ouviu mesmo foi um estouro. Se bem que sei lá se o som importa, ainda mais por escrito.
Mas não foi um puta estouro, tanto que na hora todo mundo achou que era outra coisa. Eu meio que não achei nada, tava distraído, mas teve gente que achou que era bexiga explodindo, afinal, piazadinha infernal correndo pra lá e pra cá.
Eu tava no canto direito do salão, perto da Branca de Neve de isopor e guache, do ladinho do prato de risoles que é o meu preferido. Iam cantar o parabéns, o é pique é pique e a porra toda, mas antes as fotos. A criança de um ano lá, toda princesa Disney, meio que ponto turístico e todo mundo revezando as poses ao lado. Até eu fui, sorri, encolhi a barriga, peguei no dedinho, olha que pingo de gente, que fofa ha ha.
Vergonha do caralho dessas interações bestas com crianças dos outros.
Tava nisso de sentir vergonha e lamentar a falta de cerveja quando rolou o estouro. Não conheço bem a família, só fui porque um conhecido meu, que é tio da criança e que sempre agilizava pó pra galera na época da faculdade, disse pra eu sair um pouco da toca e ver um pouco de gente (ele ainda não sabia que eu tinha comprado três cachorros e que não estava mais morando sozinho). Enfim, o lazarento me logrou dizendo que pelo menos ia ter Heineken.
Meu colega disse que ele era viúvo, trabalhava como gerente num banco, não tinha dívidas e nem câncer, então acabei imaginando um tanto assim de merda que poderiam ter acontecido para levá-lo a fazer uma sujeira daquela.
E aí o estouro e o velho no chão.
Houve um movimento de onda dos convidados, primeiro se afastando no susto e depois de aproximando na curiosidade de ver a cabeça estraçalhada, a arma e, olha lá, respingou até na Elsa do Frozen.
Meu colega disse que ele era viúvo, trabalhava como gerente num banco, não tinha dívidas e nem câncer, então acabei imaginando um tanto assim de merda que poderiam ter acontecido para levá-lo a fazer uma sujeira daquela. Eu mesmo já tinha bolado mentalmente várias peripécias para um suicídio exemplar, mas com o mínimo senso profilático, nunca algo tão escroto assim, cheio de brigadeiro ensanguentado e criança traumatizada com desenhos animados.
Dei uma de CSI e fiquei de olho na reação da filha do suicida, mãe da aniversariante. Foi mais uma não-reação, na real, já que ela só ficou olhando a galera se amontoar ao redor do corpo, ligar pro Samu, pegar um copo d’água com açúcar, abanar as velhas, tapar os olhos das crianças, etc. Fiquei naquela: só avô da criancinha? Sei. Mas aí deixei quieto, pois disseram que apesar de ser atleticano ele era bem gente boa.
Depois dos blá blá blás dos PMs, aproveitei a distração geral pra fazer um pratinho de salgados (sem respingos) para levar pra casa, coisa que geralmente morro de vergonha de fazer.
À noite, em casa, no meio de mais uma maratona de série de TV, me distraí e comecei a remoer tudo o que tinha acontecido naquele dia de merda. Pensei que se o velho tinha planejado aquela pirotecnia toda porque não aguentava mais viver, então não estava nem aí pras consequências e poderia pelo menos ter feito algo bem maluco antes, cagado na mesa do chefe, matado os cachorros de estimação num ritual macabro, aceitado fritas grandes no McDonald’s, sei lá. Mas não, disseram que ele apenas passou os últimos dias sozinho no quarto, assistindo Polishop.
Cara doido.