Não sei exatamente quando e como aconteceu. Eu estava de bobeira zapeando, vi que estava passando um jogo de handebol do Brasil logo pela manhã, então resolvi dar uma conferida de forma bem despretensiosa. Quando dei por mim, já estava escuro lá fora e ali estava eu em frente a TV há sei lá quantas horas vibrando com um jogo de hóquei na grama, cujas regras entendo tanto quanto de turbina de avião, numa disputa entre países que eu não sabia nem pronunciar o nome.
Quando me ajeitei no sofá, afastando um cenário de filme pós-apocalíptico feito de embalagens de salgadinhos e garrafas vazias, cofiei a barba (será que ela havia crescido nesse meio tempo?) e fui tomado por uma revelação olímpica:
Há mais coisas entre o futebol de quarta à noite e o de domingo à tarde, do que supõe a nossa vã filosofia.
Quase fritei o controle remoto, mas segui bravamente tentando dar conta de assistir às 132145523 modalidades que estavam em disputa ao mesmo tempo. Tiro esportivo, por exemplo, não é exatamente a minha especialidade enquanto espectador, mas segui o protocolo trancando a respiração e ficando nervoso enquanto não vinha a medalha de prata. Perdi o fair play e xinguei algumas gerações da família do vietnamita que levou o ouro, é claro, pois espírito olímpico não chega a incorporar em ateu.
Há mais coisas entre o futebol de quarta à noite e o de domingo à tarde, do que supõe a nossa vã filosofia.
Ignorei solenemente boa parte da partida de basquete, pois esse é o tipo de esporte que a gente encontra no bar da esquina e eu queria algo mais barra pesada, algo mais alucinógeno a ser encontrado nos guetos competitivos, tipo a esgrima. Não chega a ser uma batalha de Game of Thrones, mas as máscaras estilo Daft Punk e a iluminação do De Frente com Gabi compensaram as espadinhas molengas e a ausência de sangue. Tem cara de esporte de elite, mas já posso imaginar as crianças nas ruas com caixa de papelão na cabeça, deixando a bola de lado para empunhar cabos de vassoura.
Revirei os olhos quando vi que estava começando uma partida de vôlei, outro esporte arroz com feijão, e logo troquei de canal para assistir um foie gras desportivo: uma partida de pingue-pongue (tido pela soberba dos ignaros como Tênis de Mesa). Se David Foster Wallace tivesse visto Hugo Calderano jogando, jamais desperdiçaria tinta escrevendo sobre Federer. É certo que mal conseguimos ver a bolinha, mas tem coisas que precisamos enxergar apenas com os olhos do coração, ou com a ajuda do zoom e de uma TV FULL HD de 50 polegadas e do replay em três ângulos diferentes.
Senti um cheiro estranho e estava me indagando se aquela camiseta que eu estava vestindo ainda era a mesma que coloquei no dia da abertura das Olimpíadas, quando as norte americanas da ginástica artística entraram em cena e começaram a demolir tudo aquilo que eu aprendi nas aulas de física que tive no ensino médio. Ah, se eu pudesse jogar um só movimento de Simone Biles na cara do meu professor: Cadê o seu Newton, agora? Hein? Hein?
Comemorei o wazari da Rafaela Silva, mesmo não tendo a mínima ideia do que é um wazari. Chorei com a sua vitória como eu não chorava há séculos, mais precisamente há uns dois dias, quando vi Yusra Mardini, a nadadora e heroína refugiada, na piscina. A lacrimejante Olimpíada tem a sua razão de ser, pois como disse o poeta, esse judô e essa natação botam a gente comovido como o diabo.
A seleção cumpriu as expectativas, mostrando para o mundo que o slogan “Brasil, o país do futebol”, não é só fachada e que apesar de tudo nós realmente somos uma potência mundial. Isso já era bem previsível, pois qualquer atleta do time adversário tremeria nas bases ao ver o nome do maior expoente do esporte naquela camiseta amarelinha: Marta.
Não cheguei a acompanhar direito a seleção masculina de futebol, até por se tratar de um esporte menor, e resolvi priorizar algo muito mais emocionante: o levantamento de peso. Rapaz, tem uma chinesa lá que é incrível.