O truque era o seguinte: um livro infantil enorme que, aos olhos do corajoso voluntário sentado ali na frente de todo mundo, continha apenas páginas em branco, mas que quando direcionado para a plateia - após um movimento suspeito do mágico-palhaço – exibia um texto ridículo em letras garrafais, levando o público a gargalhar e a fingir duvidar da capacidade de visão da pessoa ali no meio do picadeiro.
Ué, não tá vendo? Tá escrito aqui! Gritava o mágico-palhaço. A plateia ria.
A péssima iluminação improvisada ao longo da armação da lona azul e branca e vermelha e suja fazia com que o coitado do senhor no centro do picadeiro além de não conseguir ver direito o miolo falso do livro, pouco enxergasse as pessoas espalhadas pela arquibancada improvisada com tábuas toscas, prestes a desabar e a esmagar vizinhos do bairro, vendedores ambulantes e maçãs do amor.
O voluntário, já não tão corajoso quanto no momento em que ergueu a mão para participar da brincadeira e um tanto incomodado com o cheiro de mofo vindo da fantasia do artista em pé ao seu lado, conseguia ouvir muito melhor aquilo que não enxergava mesmo sendo um som cheio de sombras. Gargalhadas se agarravam em seus ouvidos. Riu, pois, seu riso de desespero, para se misturar ao coro e tentar esconder tamanha humilhação.
Gargalhadas se agarravam em seus ouvidos. Riu, pois, seu riso de desespero, para se misturar ao coro e tentar esconder tamanha humilhação.
Por que diabos foi parar ali no meio? A quem ele queria impressionar? Ao neto que sequer prestava atenção naquela vergonha toda, distraído com as motos prestes a entrar no Globo da Morte? Ou quem sabe à moça no vestido de domingo com pipoca enroscada nos dentes que lhe sorriu: “Saiu?”. Os lábios ali, tão…
Tão ridículo seu segredo sendo exposto assim na frente de tanta gente. Torceu por um princípio de incêndio, a armação desabando e a lona agora vermelha e preta derretendo e grudando na pele do público e a peruca do palhaço em chamas e as motos todas explodindo. As bocas escancaradas queimando.
Não. Tinha tanta criança ali e elas nem sabiam do que estavam rindo.
O homem ao seu lado estava falando. Agora havia algo escrito na página do livro.
“Senhor, o texto tá aqui, é só o senhor ler bem alto para mim. É só um truque, vamos lá”. Havia certa preocupação no sussurro do artista já não tão mágico e nem tão palhaço diante do voluntário constrangido.
Ainda gargalhadas cegas.
E as letras realmente estavam todas ali compondo palavras que ele nunca aprendeu a ler. Tão tarde para tudo e tudo tão escuro…
“Tá não moço, tem nada escrito aí, tá tudo em branco”.