Lembro-me das noites insones durante minha infância, em que me pegava chorando por não saber ser um adulto. Era exatamente esse o medo: meu Deus, como vou ser um adulto?
Não que eu quisesse de fato me tornar uma pessoa grande, mas é que naquela altura do campeonatinho eu já começava a me dar conta de que seria um processo inevitável. Minha camiseta do Mickey, por exemplo, não servia mais e aquilo só poderia ser um sinal.
As sombras da maturidade que se aproximavam eram aterrorizantes e eu não tinha interesse nenhum em abandonar a minha velha vida baseada em Nescau e desenho animado. Subitamente, as narrativas que eu criava com meus despedaçados G.I.Joe’s no quintal (sempre brinquei de hominho, nunca fui daquela facção infantil que preferia carrinhos) passaram a ser interrompidas por surtos de ansiedade a respeito de problemas que pretendiam me defenestrar daquele mundinho inocente.
Minha casa ruía sob o alcoolismo de meu pai e a ausência de meu irmão, então a preocupação que mais mantinha meu cérebro ocupado era a respeito das diabólicas questões hidráulicas. Isso mesmo, os malditos canos.
Passei longas horas da minha infância olhando para aquelas paredes enormes, tentando imaginar como diabos os canos tinham ido parar lá dentro.
Passei longas horas da minha infância olhando para aquelas paredes enormes, tentando imaginar como diabos os canos tinham ido parar lá dentro. Não era possível que eles estivessem sempre ali, desde o Big Bang. Talvez a chaminé da churrasqueira estivesse envolvida nessa questão. Fiz uma vasta pesquisa bibliográfica nos dois ou três livros lá de casa e realmente não havia nenhuma ilustração de casinha que mostrasse os desgramados dos canos dentro da parede. As torneiras e o vaso sanitário eram apenas insinuações de um universo infinito. Ou será que eram portais? Eu colava o ouvido nas pequenas rachaduras, sentia o cimento gelado e tentava ouvir algum tipo de resposta do cosmo ou da tubulação. Nada.
E se eu me tornasse adulto e a responsabilidade fosse toda minha e fizesse algo de errado e a água não chegasse à torneira? Morreríamos todos de sede? E o banho? Ok, isso não seria exatamente um problema, mas e a louça e a horta lá nos fundos? Como sobreviveriam as cebolinhas? E se a parede caísse na hora de colocar os canos? Como eu protegeria minha mãe se o teto desabasse? Não foram poucas as vezes em que abracei as pernas dela chorando muito por não ter a mínima ideia de como enfiar os malditos canos dentro dos tijolos. Estávamos condenados. Durante muito tempo tive plena convicção de que teríamos uma morte horrível, que nossos corpos seriam encontrados desidratados e esparramados na sala e a culpa seria toda minha
Diziam que tudo bem, eu só estava na fase dos porquês, era normal. Mas talvez por isso até hoje eu não consiga achar muito engraçado ver crianças metralhando adultos com várias questões, pois para mim, aquilo é pura angústia, um desejo desesperador de dar significados ao mundo. Sei que faz parte do processo de virar gente grande, mas é que às vezes paira no ar uma certa noção sufocante de que, na verdade, as respostas serão sempre insuficientes, já que esse mundo não costuma fazer muito sentido.
Hoje em dia tenho uma vaga noção de como os canos foram parar lá dentro da parede, mas ainda continuo sem saber como ser um adulto.