A carteira de habilitação ainda era um sonho distante para Romoaldo, que já havia reprovado em sete exames.
Entrou no carro e, antes de colocar o cinto, foi abordado por um general do Exército Brasileiro.
– Bom dia, senhor Romoaldo. Vou ter que pedir para que o senhor se retire do veículo.
– Mas por quê? É meu exame, eu preciso fazer o exame.
– Isso. O oitavo, certo?
– Sim.
– Infelizmente, eu não vou poder permitir que o senhor realize o exame. Pode me acompanhar, por favor.
Romoaldo saiu do carro e caminhou com o general até um tanque de guerra. Entrou na máquina e se sentou.
– Senhor Romoaldo, o Conselho do Detran nos contatou e, analisando o seu caso, nós constatamos que o senhor é uma ameaça à nação brasileira. Não podemos permitir que alguém assim tenha a permissão para dirigir qualquer tipo de veículo.
– Mas, por quê? Eu só reprovei, um monte de gente reprova!
– Senhor Romoaldo, no último exame o senhor subiu na calçada…
– E daí? Um monte de gente que tem CNH sobe na calçada.
– …E atropelou dez pessoas.
– Uma era criança!
– Exatamente. O senhor acha certo atropelar uma criança?
– Não, eu só não achei certa a contagem. Uma criança não chega a ser uma pessoa inteira ainda, podemos contar como meia pessoa.
– Tudo bem, o senhor acha aceitável atropelar nove pessoas e meia?
– Em minha defesa, elas estavam no local certo, na hora errada.
– A hora em que o senhor provou que não está apto a dirigir um veículo.
– Eu estava a cinco quilômetros por hora!
– Mas alguém poderia ter se ferido gravemente. No exame anterior, o senhor derrubou o carro dentro do rio.
Romoaldo pegou o celular.
– Senhor Romoaldo, o senhor está entendendo a gravidade da situação?
– Estou ligando para o meu advogado.
– Não, o senhor não tem direito a um advogado. O presidente já nos autorizou a tratá-lo como uma ameaça para a população, vamos escoltá-lo até a sua residência e o senhor deverá cumprir prisão domiciliar até o fim dos exames desta semana.
– É golpe!
– É legítimo.
O tanque começou a seguir pela rua, rumo à casa de Romoaldo. Parou na frente da residência.
Senhor Romoaldo, no último exame o senhor subiu na calçada… – E daí? Um monte de gente que tem CNH sobe na calçada. – …E atropelou dez pessoas.
– Esta tornozeleira aqui o senhor não pode tirar, no fim da semana nós passamos aqui e retiramos para o senhor.
– Sabe o que eu acho engraçado?
– Senhor Romoaldo, não complique as coisas.
– O engraçado é que eu dei seta em todos os exames. Em todos! Eu não perdi um ponto por não dar seta, se teve uma coisa que eu fiz foi dar seta. Atropelei algumas pessoas? Atropelei. Derrubei o carro no rio? Derrubei. Bati no muro de uma escola, destruí o lugar e as crianças estão estudando no pátio mesmo na chuva? Sim. Mas eu nunca deixei de dar seta.
– O senhor não está falando a verdade.
– Tô, tô falando a verdade. Pode conferir, eu nunca deixei de dar seta.
– Não pode ser!
O general ligou para o Detran para consultar os detalhes dos exames. A ligação durou em torno de trinta minutos.
– Senhor Romoaldo, peço desculpas. O senhor realmente acionou a seta sempre que precisou.
– Sim, eu falei pra você.
– O senhor não é uma ameaça nacional, é um herói! Nunca na história deste país um motorista cumpriu tão corretamente o seu papel.
– Não precisa exagerar.
– Estique a perna, vou remover sua tornozeleira.
Desativou e tirou a tornozeleira, sorrindo.
– Senhor Romoaldo, peço perdão pelo mal-entendido. Vou providenciar sua CNH sem que haja necessidade de fazer um novo exame.
– Quê? É sério?
– Claro! Entregarei em mãos.
Romoaldo desceu do tanque meio desnorteado e caminhou até o portão.
O general, ainda sorridente, olhou para o soldado ao seu lado e falou orgulhoso:
– Um brasileiro que dá seta. Eu sabia, o país ainda tem jeito.