Eu não gosto de café.
Tenho muitos, muitos defeitos. Mas o maior deles, que é grande mesmo, gigantesco e extraordinário é esse: eu não gosto de café – o que é verdade, mas mentira que seja o maior. Até tomo, vez ou outra, depois de uma noite de insônia ou misturado num Frappuccino, mas gostar, de fazer “hmmmm”, eu não gosto nem um tantinho.
Os brasileiros crescem ouvindo falar sobre o café nas aulas de história e sentindo o aroma forte que vem da cozinha pela manhã. Por isso, é muito difícil se sentir parte da sociedade quando você nasce no Brasil mas não gosta de café. Me sinto dentro de um grupo excluído, que quando passa todo mundo aponta e fala “vejam, os ridículos de paladar infantil” – frase que eu sempre vou discordar, já que mesmo não gostando de café eu gosto de vinho seco, e nunca vi criança bebendo vinho seco. Ainda bem.
No restaurante, quando o almoço chega ao fim, para o nosso grupo ele só acaba, enquanto para a maioria da população ele ainda tem um grand finale: depois da sobremesa, o garçom oferece um cafezinho. E não tem chazinho, suquinho e nem Toddynho para quem fica de fora da elite cafezista.
Tudo isso, sem contar as escapadinhas no trabalho. Todo mundo tira a bunda da cadeira para dar aquela aliviada e a desculpa é sempre a mesma, “vou tomar café”. E nós? Todos sabem que a duração do “vou beber água” não é diretamente proporcional à do tempo do café, logo, se passamos mais de dois minutos bebendo água somos vistos como péssimos humanos, que enrolam e não gostam de trabalhar. Porém mais de dois minutos bebendo café? Porra, tá só esperando esfriar, deixa o cara lá, no direito dele de não queimar a língua.
Os brasileiros crescem ouvindo falar sobre o café nas aulas de história e sentindo o aroma forte que vem da cozinha pela manhã. Por isso, é muito difícil se sentir parte da sociedade quando você nasce no Brasil mas não gosta de café.
Uma vez, meu chefe mandou a tradicional pergunta “vamos tomar um café?” no meio do expediente e eu:
– Não, obrigada, eu não gosto de café.
– Mas vamos lá.
– Mas eu odeio.
– Eu estou tentando ser sutil pra conversar com você em particular. Toma um suco, toma água, mas vamos.
– Ah! Se é assim, vamos, ué.
Nesse dia, eu descobri que os cidadãos da maioria, que gostam de café, usam essa desculpa quando querem dar bronca em alguém de maneira mais fina, longe dos outros. No caso, eu estraguei o plano e passei vergonha ali mesmo.
Tão mais fácil o mundo para elas, as pessoas normais, parceiras das cafeteiras, apreciadoras da cafeína. Pessoas que podem virar a noite sem sono e aproveitar a madrugada, gastar menos com Nescau e se apaixonar numa boa por qualquer Dona Florinda que aparecer (porque sempre terão motivos para entrar em sua casa).
Mas não tem jeito, essa vida mole não é pra mim, já aceitei e não luto mais pra mudar. É oficial, sempre será: eu não gosto de café.