O entregador tocou a campainha. Ela abriu a porta feliz.
– Finalmente! Boa tarde.
– Boa tarde. É senhora Sarah, né?
– Sim, porém não.
– Quê?
– Eu sou a Sarah, mas essa embalagem gigante atrás de você não é minha de jeito nenhum. Eu comprei um videogame.
– Não, aqui tá dizendo que a senhora comprou uma geladeira.
– Filho, quem fez a compra fui eu, eu sei o que eu comprei.
– Mas tá na nota, olha.
Mostrou a nota.
– A nota tá errada, moço, preciso que você leve de volta.
– Eu não posso levar de volta! Recebo por entrega, preciso voltar com o caminhão vazio.
– Cê tá maluco? Não vou deixar você colocar essa geladeira aqui dentro, eu não comprei uma geladeira, quero meu Playstation.
– Então eu deixo aqui no hall, mas vou precisar da sua assinatura.
– Cacete! Eu não vou assinar o recibo de um negócio que eu não comprei.
– Mas depois a senhora se resolve com a loja.
– Você é a loja!
– Eu sou o entregador da loja.
Deu um chute na geladeira, vermelha de raiva.
– O entregador da loja representa a loja.
– Não, eu represento a entrega do produto da loja.
– Que está errado!
– Mas aí a senhora tem que reclamar com quem mandou colocar a geladeira no meu caminhão.
– Eu quero que se foda todo mundo: você, o seu caminhão, a pessoa que colocou a geladeira no seu caminhão, o frentista do posto que encheu o pneu do seu caminhão, a família do dono da empresa que fabricou o seu caminhão. Todo mundo. Eu não vou ficar com uma geladeira que não é minha, você vai levar de volta.
– Não vou.
– Você vai.
– Não.
Ficaram alguns minutos sem pronunciar uma palavra, um olhando para o outro.
– Eu vou fechar a porta e você vai embora com essa geladeira.
– Eu vou falsificar sua assinatura e deixar a geladeira aqui.
– Oi?
– Você não tá colaborando, moça.
– Colaborando com o quê? Você trouxe uma coisa que eu não comprei!
– Mas custa deixar na sua casa até resolver?
– Custa! Meu apartamento é minúsculo. E se eu não conseguir resolver e tiver que ficar com duas geladeiras?
– Mas será que é tão ruim assim ter uma geladeira nova?
Sentou no chão, encostada na porta aberta.
– Eu quero que se foda todo mundo: você, o seu caminhão, a pessoa que colocou a geladeira no seu caminhão, o frentista do posto que encheu o pneu do seu caminhão, a família do dono da empresa que fabricou o seu caminhão. Todo mundo. Eu não vou ficar com uma geladeira que não é minha, você vai levar de volta.
– Não é ruim. É até bom, minha geladeira é velha, deve ter uns 15 anos. Só que não é o que eu comprei, entendeu?
– E mesmo com uma geladeira velha a senhora investiu em um videogame?
– Ah, pronto, vai me dar lição sobre finanças.
– Eu tô falando o óbvio. Você tá aí com uma geladeira antiga, que gasta energia pra caramba, que provavelmente a senhora tem que descongelar tirando da tomada toda semana, mas tá usando seu dinheiro pra comprar coisa que dá pra viver sem.
– Dá pra viver sem, mas eu não quero. É uma escolha minha.
– Enquanto isso tem uma geladeira inox parada na sua porta. E se for uma oportunidade?
– É inox?
– É inox.
Levantou.
– Não pensa que eu tô caindo na sua conversa porque eu não tô, só perguntei porque eu acho bonita a cor. Direito é direito, oras, eu tenho o direito de receber o produto que eu comprei.
– Sei lá, não é todo dia que uma geladeira inox aparece na porta da sua casa.
– E não é todo dia que eu compro um Playstation e recebo uma geladeira.
– Às vezes é a vida dando um sinal. O preço é basicamente o mesmo.
– Tem aquele dispenser de água, pra não precisar usar filtro separado?
– Tem. Quer tirar da caixa pra dar uma olhada?
– Não, era só curiosidade.
– Tá, mas se quiser ver eu desembalo.
Começou a fechar a porta.
– Larga aí essa bagaça, no hall mesmo. Você me venceu pelo cansaço.
– A senhora vai assinar o recibo?
– Vou, dá aqui.
– Ótimo!
Assinou o recibo. Se despediu e fechou a porta.
Meia hora depois, interfonou na portaria.
– Oi, eu preciso de alguém pra me ajudar a trocar a minha geladeira velha por uma nova, pode chamar o zelador? Claro, eu espero. Sim, é chiquérrima, inox, aquela com dispenser de água, sabe?