Entrou na loja e começou a olhar os smartphones.
– Boa tarde, senhor, em que posso ajudá-lo?
– Tô procurando um celular mais em conta que esses aqui. Queria um bem simples.
– Nós temos estes modelos a partir de 399 reais.
– É que eu preciso de um simples, mesmo, só pra falar.
– Este aqui é um dos mais baratos e já vem com o WhatsApp, senhor.
– Mas nem precisa ter WhatsApp, quero o aparelho mais sem frescura que você tiver.
– Este é muito simples, senhor, e mesmo assim você pode baixar o Viber, o Skype, o Hangouts e outros aplicativos, caso não goste do WhatsApp.
– Não, moço, você não entendeu. Nada contra o WhatsApp em si, eu não preciso de nenhum aplicativo, tudo o que eu quero é poder ligar. Não sou bom com esse negócio de tecnologia, já sou velho.
O vendedor parou por uns segundos e ficou olhando para o cliente.
– Senhor, com este aparelho aqui você estará sempre ligado a todo mundo que precisa, eu garanto.
– Não quero ficar ligado com ninguém, eu estou falando de ligar, moço, ligar. Não digitar. Não enviar mensagem. Ligar.
– Como assim ligar?
– Ligar. Discar um número e ligar.
– Discar para adicionar no WhatsApp?
– Não, meu bem, esquece o WhatsApp, a gente já matou o WhatsApp no começo da conversa.
– Então eu não entendi.
– Eu quero poder ligar, contatar outras pessoas.
– Por SMS?
– Não, por voz. Por voz!
– Olha, eu sei que o senhor não gosta do WhatsApp, mas nele dá pra mandar mensagens de voz também. Ou fazer chamadas de voz.
– Eu não quero enviar mensagens de voz, nem chamada via wi-fi, quero fazer uma chamada telefônica.
O vendedor ficou mudo. Estático. A gerente se aproximou.
– Boa tarde, senhor. Sou a Rogéria, gerente do departamento.
– Boa tarde, Rogéria.
– Algum problema? O senhor se interessou por algum dos aparelhos que o meu vendedor mostrou?
– Então, Rogéria, eu estava dizendo pra ele que quero só um aparelho pra ligar para as pessoas.
– Nós temos diversos modelos, para você ficar sempre conectado com todos.
– Eu não quero ficar conectado, quero fazer chamadas telefônicas. Eu tive esse mesmo problema nas outras duas lojas que entrei, não tá fácil fazer alguém entender do que eu preciso.
– Que tipo de chamada telefônica, senhor?
– O único tipo! O tipo que você disca e o celular liga.
– Você pode ligar através de diversos aplicativos.
– Rogéria, olha pra mim, olha nos meus olhos.
– Estou olhando, senhor.
– Em que ano você nasceu?
– 1990.
– Então quando você nasceu, na sala da sua casa tinha um telefone, certo? Ou na casa de uma tia, um vizinho.
– Certo.
– Eu quero um aparelho de celular que faça só o que esse telefone fazia.
– Eu não me lembro muito bem como funcionava o telefone, senhor.
– Ele ligava.
– Nós ainda temos um pequeno departamento de telefones, posso levar o senhor até lá.
– Eu não quero um telefone, eu quero um celular! Um celular que funcione só como um telefone.
– Mas os celulares estão aqui e os telefones ali, eles são diferentes.
– Pelo amor dos deuses, não é possível que ninguém mais se lembre como é fazer uma ligação pelo celular! Até ontem o celular era só pra ligar, como todo mundo já esqueceu?
O vendedor e a gerente olharam um para o outro, sem saber o que responder.
– É que a tecnologia muda muito rápido, senhor.
– Rogéria, eu sei que muda. Mas hoje a rua tá cheia de carro automático e isso não fez com que eu me esquecesse do meu Fiat 147. Por que todo mundo esqueceu como é falar com alguém? Por que todo mundo só sabe digitar ou enviar mensagem de voz? Você tá me entendendo, Rogéria? Todo mundo se lembra do Fiat 147, mas ninguém se lembra o que é discar um número e levar uma conversa.
– O senhor está procurando um smartphone no modelo Fiat 147, senhor?
– Cacete, Rogéria, não! Eu estou procurando um aparelho que ligue pra casa da minha filha que fica do outro lado da rua, sem ter que ligá-lo a uma tomada e fazer contrato com a Telefônica. Só isso. Eu preciso de um celular que faça ligação e nada além de ligação.
– O senhor está procurando um smartphone no modelo Fiat 147, senhor?
– Cacete, Rogéria, não!
A gerente levantou os ombros e apertou os lábios.
– Infelizmente, vou ficar devendo, senhor.
– Onde mais tem loja de celular aqui no shopping?
– Tem mais duas neste mesmo corredor.
– Nelas eu já fui e tive o mesmo problema, ninguém me entendeu. Bom, obrigado.
O vendedor estendeu a mão.
– Nós é que agradecemos. Podemos ajudá-lo com algo mais?
– Podem. Onde eu arranjo duas latinhas e um barbante?