Ouviu palmas no portão. “Vendedor ou Testemunha de Jeová”, pensou. Foi até a janela, parecia vendedor.
– Não quero comprar nada, obrigado.
– Mas o que eu trouxe é de graça, meu jovem.
– Uia, grátis? O que é?
– São palavras de luz.
– Vixe. Não sei em qual deus você acredita, mas tô sem tempo, agradeça a ele.
– Tudo bem, tenha um ótimo dia.
Fechou a cortina. Abriu novamente.
– É assim? Você vai desistir?
– Respeito ao próximo, jovem. Não vou conversar com quem não quer.
– Mas eu não disse que não quero, disse que não tenho tempo. Você poderia falar que sempre há tempo pra ouvir as palavras do “todo poderoso”, qualquer coisa assim.
– Você quer ouvir o que eu tenho a dizer?
– Talvez. Mas não tenho tempo.
– Tudo bem.
Virou as costas e começou a atravessar a rua.
– Ô! Como assim? É sério, mesmo? Você vai desistir pela segunda vez?
– Não tenho porque insistir, jovem.
– Porra! Como não? É o que você acredita que tá em jogo, cara. Nunca vi Testemunha de Jeová que vira e vai embora desse jeito. Mesmo que eu não queira saber, tem que rolar aquela insistida. Eu não sei nem como lidar com essa situação, você indo embora logo de cara, é quase contra as leis da natureza.
– Não sou Testemunha de Jeová.
– Crente? Viking?
– Porra! Como não? É o que você acredita que tá em jogo, cara. Nunca vi Testemunha de Jeová que vira e vai embora desse jeito. Mesmo que eu não queira saber, tem que rolar aquela insistida. Eu não sei nem como lidar com essa situação, você indo embora logo de cara, é quase contra as leis da natureza.
– Nada disso, o que eu tenho pra falar não envolve religião. É muito maior do que qualquer deus.
– Cacete, velho. O que é?
– Você não está sem tempo para ouvir?
– Talvez eu tenha tempo porque talvez eu tenha um trabalho imenso pra entregar e talvez eu esteja procurando motivos pra enrolar. E se algo maior que um deus colocou você aqui pra facilitar isso, por que não?
– Então venha aqui fora, por favor.
Foi até a garagem e ficou do lado de dentro do portão.
– Tá, pode falar. Tô curioso.
– Como é o seu nome, jovem?
– Tom.
– Tom, na vida a gente precisa ter foco, força e fé.
– Sim, já aprendi isso no Facebook da minha tia.
– Se você acredita em si mesmo e é persistente, você pode tudo.
– Ok. Você realmente não vai tentar me vender nada, né?
– Não, Tom. O conselho é gratuito! O que você vai fazer com ele é escolha sua.
– Tá bom, então.
– A gente tá aqui pra isso: pra ajudar você a alcançar seus objetivos e trazer a luz que você precisa para ter força enquanto faz este caminho difícil.
– E o caminho seria qual?
– O do emagrecimento.
Colocou as duas mãos na cintura.
– Você tá de brincadeira comigo.
– Não, Tom. Nós, da Ervavida, estamos aqui para ajudar pessoas como você a enfrentarem o seu maior medo: o da balança. Nossas cápsulas naturais ajudam a combater a fome e a dar energia para que os exercícios físicos e a alimentação saudável entrem para a sua rotina.
– Você tá de sacanagem.
– É tudo verdade! Tenho aqui este folheto, pode pegar, você vai entender melhor sobre o nosso trabalho. Temos uma reunião hoje, às 20 horas, ali do outro lado da rua, na casa 182. Vamos disponibilizar alguns produtos para que a vizinhança conheça. Como eu disse, o conselho é totalmente gratuito!
Continuou com as mãos na cintura e começou a bater o pé, nervoso.
– Olha aqui. Olha só. Eu sou um idiota, é essa a definição. Um estúpido.
– Tem alguma dúvida, jovem?
– Não. Tá tudo bem claro, bem claro.
– Ótimo!
– Eu só quero aproveitar pra dar um conselho pra você também.
– Pode falar.
– Vai pra puta que pariu.