Era uma pergunta simples e banal, daquelas que se responde imediatamente, por puro instinto. E, no entanto, ele demorou a responder. Não que não soubesse a resposta, ele tomava café sim, mas só no café da manhã, durante o dia não tinha o hábito. Era só dizer isso e todos saberiam como é que ele se comportava em relação ao café, mas ele não estava interessado em dizer a verdade, não antes de saber o que é que esperavam dele. E a própria pergunta já escondia um tipo de censura, um estranhamento. Se querem saber se ele toma ou não café, é porque já perceberam que, desde o primeiro dia, ele nunca foi até a cozinha pegar uma xícara. Então já paira sobre a repartição a hipótese de que ele não toma café. E, no entanto, o normal é que se tome, todos vão até a cozinha o tempo todo para pegar um pouco mais. O que se esperaria dele, provavelmente, é que tomasse. E ele tem vontade de dizer que sim, claro que toma, dizer isso e ir até lá pegar uma xícara e enchê-la toda.
Mas ele não diz. E não diz porque, se dissesse, teria realmente que ir tomar. E ir tomar significa ir à cozinha, pegar a xícara no armário, abrir a garrafa térmica e botar açúcar, tudo isso na frente das outras pessoas que já estavam lá. Por certo todo mundo iria olhar para ele, as pessoas sempre querem ajudar os novatos, e se ele fizesse alguma coisa errada alguém interviria e diria como é que se deve fazer. Ele já se conhecia o bastante para saber que então é que se atrapalharia de vez, acabaria fazendo papel de tolo diante de todo mundo. Em tese, tomar café não é das atividades mais complicadas, mas aquela não era a sua casa e, sobretudo, aquela não era a sua garrafa térmica, cada garrafa tem um segredo para abrir, ele teria dificuldades, e não queria também que vissem o quanto põe de açúcar, não sabe se põe o que todos põem ou se alguém pode questionar o quanto põe.
Em tese, tomar café não é das atividades mais complicadas, mas aquela não era a sua casa e, sobretudo, aquela não era a sua garrafa térmica.
Ele não queria ser questionado, não queria ser corrigido, não queria que percebessem que sentia dificuldade em fazer uma coisa das mais básicas. Era o caso então de dizer que não toma café, não tinha mesmo o costume de tomar café durante o dia. Mas ele sabia que então passaria a ser conhecido como “o homem que não toma café”, sabia que estava indo contra a maioria, e tudo o que queria era agradar. E mesmo que dissesse que não tomava, ele sentia que precisava de um argumento melhor, para que nunca mais insistissem para que tomasse, para que nunca mais o fizessem ter que se decidir se toma ou não.
Todas essas reflexões lhe ocorreram em alguns segundos, mas era preciso responder alguma coisa, do contrário perceberiam a sua perturbação e ele viraria o centro da atenção de todos. Então teve uma ideia e resolveu arriscar, falou até com convicção:
– Não, não tomo não. É que eu prefiro chá.
Ora, ele sabia que não tinha chá ali, de modo que não precisaria nunca mais ser incomodado por perguntas como essa, não teria que compreender o mecanismo de funcionamento da garrafa térmica e nem passar pelo julgamento que os outros fariam do seu ato de tomar café. Ele voltou para o seu lugar, e estava muito satisfeito consigo mesmo, sentindo que havia resolvido um grave problema. A resposta era tão importante que definiria como deveria ser o seu comportamento dali por diante. Se ele tomasse uma vez, teria que tomar sempre. Se não toma uma vez, não precisa tomar nunca. Ele se viraria com o copo de água, o copo de água é bem mais fácil de pegar, e os galões funcionam todos da mesma maneira.
Isso durou um dia ou dois. Aquele pessoal da repartição era muito unido. Certa manhã, uma de suas colegas anunciou a novidade: em atenção a ele, a repartição contaria com duas garrafas térmicas. Uma para o café, e a outra, é óbvio, para o chá.