Há quem conheça o futebol apenas pela televisão, sem nunca ter sentido a vibração de um estádio. Modéstia à parte, na minha infância eu podia ir a um estádio sempre que quisesse, e inclusive era um dos protagonistas das partidas. Isso porque o estádio ficava lá em casa mesmo: um grande campo de futebol de botão, feito de madeira, herdado do meu pai. Normalmente, não havia uma localização fixa para ele: podia tanto ficar no meu quarto como na sala de estar e até mesmo na varanda de casa.
Não era um campo desses que a gente vê nas cidades do interior, com grama ruim, cheio de buracos e uma porção de terra na frente do goleiro. Na verdade, era um campo tão profissional que as suas laterais eram preenchidas com anúncios de refrigerantes, cervejas, automóveis, bancos – tudo caprichosamente recortado de alguma revista semanal. Eram os patrocinadores das nossas partidas.
Modéstia à parte, na minha infância eu podia ir a um estádio sempre que quisesse, e inclusive era um dos protagonistas das partidas.
Onze jogadores de cada lado era demais para o nosso acanhado estádio, então jogávamos com seis em cada time. Todo jogador contava com um distintivo do clube e o número da camisa. Os goleiros, naturalmente, não eram aqueles que vêm junto na caixinha – eu nunca conheci alguém que jogasse com eles. Preferíamos fazê-los de caixinhas de fósforos, decoradas com papel de presente – obviamente, da mesma cor da camisa do time.
Um dos times que eu mais escolhia para jogar, não sei por qual motivo, era o Guarani de Campinas. Era um timaço aquele Guarani. Até o Biro-Biro jogava nele. No gol, um tal de Sidmar e um tal de Birigui. Pegavam até pensamento. Mas o grande craque era um tal de Luís Müller. Atacante, usava a 9. Nunca fiquei sabendo quem era de verdade. Pelo nome, devia ser gente do sul. Mas não havia uma partida em que ele não marcasse ao menos um golzinho – e, em geral um golaço. Era canhoto, suponho. Tinha a habilidade de um canhoto. Mas chutava com as duas pernas – uma de cada vez. Sua cabeçada era mortal. O goleiro de caixinha de fósforo tremia quando se via diante dele. Não havia adversário difícil: Luís Müller aterrorizava até mesmo os zagueiros de Flamengo e Fluminense, dois times de botão tradicionalíssimos. Poucos sabem, mas a fase de ouro do Guarani aconteceu lá em casa mesmo – por lá, ele nunca chegou a ser rebaixado.
Mas também treinei outros times e, até que um amigo de infância me prove o contrário, eu nunca perdi uma partida – a não ser para o meu pai, mas ele se aproveitava do fato de ter nascido duas décadas antes de mim. A experiência pesava a seu favor. Com meus amigos, é verdade, houve uma única derrota, mas que é até hoje bastante contestada. Lembro que houve faltas muito mal marcadas, e alguns gols tão improváveis que certamente foram irregulares. Foi um 3×1 doído, sofrido. Uma zebra. Ferido, o meu time quis revanche. E na partida seguinte, aqueles jogadores deram a vida em campo. Sem diminuir o ritmo, anotaram um histórico 11×1. E então foi amenizada a dor pela minha derrota inédita.
É verdade que hoje em dia o nosso estádio deixou de ser utilizado. Ficou fora de moda. Não atende mais as nossas exigências. Os jogadores não saem mais de dentro de uma caixa de sapatos. E o campo passou a ficar o tempo inteiro embaixo de uma cama, acumulando pó e bolor, esquecido, mas sempre lembrado, como convém às memórias de infância.