É domingo, dia de clássico. Não se trata de um jogo comum. Podemos estar fazendo uma campanha medíocre e estar próximos à zona de rebaixamento, mas se ganharmos do nosso maior rival, ah, então haverá paz e tudo será perdoado. Em dia de clássico, convém chegar cedo ao estádio. Uma hora antes do jogo e nós já estamos lá dentro, sentados, esperando começar e sem saber bem o que fazer. Para fugir do tédio, decidimos nos juntar ao coro que ofendia a família da torcida adversária até a sétima geração. Ah, como eles ousam torcer pelo nosso rival? São ditos os piores palavrões e se ninguém ali chega a corar é porque, afinal, já estão todos acostumados.
Mas há uma garota. Uma garota que, assim me pareceu, não estava acostumada com o ambiente de guerra de um estádio em dia de clássico. Vai ver ela nem gostava de futebol, apenas acompanhava as pessoas que gostavam. Quem sabe nunca tivesse ido a um estádio antes e tivesse certa curiosidade, então aceitou o convite, foi ao estádio, e ali está ela, bem à nossa frente, sentada, impassível, e provavelmente chocada com tudo aquilo que era obrigada a ouvir.
Há muito mais homens do que mulheres por ali, o que sempre é uma coisa temerária, pois, se eles já são capazes de muita grosseria e estupidez quando estão sozinhos, você imagine quando se juntam. Lá embaixo, no primeiro degrau da arquibancada, passa uma mulher de shortinho, sem companheiro visível. Ah, as cantadas, os gritos que ela teve que ouvir. E a garota ali à nossa frente, talvez pensando, com razão, que aqueles homens poderiam fazer exatamente o mesmo com ela, se apenas tivessem oportunidade.
Começa o jogo. Bem, o que é o futebol? Digo, o que é o futebol para quem não é fã de futebol? Um punhado de homens correndo de lá para cá e dando botinadas num pedaço de couro, e às vezes no próprio adversário, se o juiz não estiver olhando. O objetivo consiste em empurrar o pedaço de couro para dentro de uma rede mais vezes do que o nosso adversário, situação que demonstrará de maneira categórica o quanto nós somos seres infinitamente superiores a eles. Ora, não é de admirar que aquela assustada garota não tomasse parte na empolgação da torcida. A cada ataque do nosso time, nós nos levantávamos na expectativa do gol e do gozo. Ela permanecia sentada. Quando saiu um gol mesmo, aí ela se levantou, mas apenas porque chamaria muito a atenção se permanecesse sentada naquele alvoroço. Não pulou, não gritou, não deu nenhum vexame.
Bem, o que é o futebol? Digo, o que é o futebol para quem não é fã de futebol? Um punhado de homens correndo de lá para cá e dando botinadas num pedaço de couro, e às vezes no próprio adversário, se o juiz não estiver olhando.
Voltamos a nos sentar. Passa um vendedor de amendoim. Há pouco espaço para passar e o sujeito pisa no seu tênis. O vizinho ao nosso lado começa a comer o amendoim e, sem perceber, faz com que as cascas caiam em cima do cabelo da garota. Ela olha para trás, limpa o cabelo, mas não fala nada. Então é isso o que acontece nos estádios? E então um susto! Um sujeito enlouquecido joga a sua cerveja no chão. Estava morrendo de raiva porque levamos um gol. O gol, no entanto, seria anulado, foi impedimento. A cerveja, de toda forma, estava arremessada, e o susto já havia ocorrido e a garota ia se encolhendo mais.
No intervalo, seus amigos foram comprar algo e ela ficou lá ainda mais sozinha, com a mão em um banco sujo, guardando o lugar deles. E no segundo tempo despencou um aguaceiro, o jogo ficou feio e nós ficamos molhados. Provavelmente ela queria ir embora dali, mas ainda tivemos que esperar saírem todos os torcedores rivais, para não haver brigas…
Enfim saímos, ainda com muito grito e muita buzina por toda parte. Foi apenas quando a garota já havia entrado em um carro que me senti tranquilo para, enfim, soltar da garganta o grito feroz:
– Ganhamos, porra!