Ele estava muito agitado quando se sentou ao meu lado. Perguntei o que lhe perturbava e ele, no primeiro momento, limitou-se a dar um profundo suspiro. Depois quis saber: “Quanto tempo ainda se vive depois que não se pode esperar mais nada da vida?”. A pergunta, filosófica e existencial, me pegou desprevenido e eu não entendi direito o significado do que ele me dizia. “Você veja o Hitler. Houve um momento em que estava mais do que certo que ele não iria melhorar como pessoa. Provavelmente isso foi bem antes da guerra. Mesmo sabendo que Hitler já havia comprometido e estragado a sua vida, eles ainda permitiram que ele vivesse por muito tempo e fizesse todas as atrocidades que ele fez. Por que não o mataram antes, quando já estava tudo perdido?”.
Inicialmente, não entendi quem eram “eles”, mas o meu amigo esclareceu que eram aqueles que detinham o controle sobre o Universo – para ele, há alguém por trás de tudo. Intuí que o seu interesse pelo Hitler nada mais era do que um eco – extremo – para as suas próprias experiências. E ele não iria demorar a me confirmar essa hipótese.
Quanto tempo ainda se vive depois que não se pode esperar mais nada da vida?
“Sabe, eu já comprometi a minha vida toda. Fiz escolhas erradas quando era mais jovem e agora vivo as consequências dos meus erros. Não posso escapar dos meus erros! É possível errar, é possível se arrepender, mas não é possível se livrar dos efeitos dos nossos erros. E há coisas que só acontecem uma vez. Se você errar ali, naquele momento específico, não poderá acertar nunca mais. Foi o que eu fiz”. Bateu com força o seu copo, para enfatizar a sua conclusão. Eu me admirava que aquela alma ainda tão jovem contivesse dentro de si uma amargura tão grande. Ainda pensava no tipo de resposta que eu poderia dar, quando ele acrescentou: “Eles já sabem como eu sou, sabem dos meus erros e que eu não vou mudar. Mesmo assim, eles me mantêm aqui. O que eles querem que eu faça, se já estraguei tudo?”.
Nas últimas palavras a voz dele falhou, o que se explica pela própria emoção da sua fala. Ele falava de forma bastante genérica e eu não quis insistir em detalhes que talvez ele não quisesse mesmo me dizer. Não éramos tão íntimos assim e eu notei que aquilo era um grande desabafo de um coração consumido não somente pela culpa, mas por uma profunda desesperança. E tão jovem! Era ao menos cinco anos mais novo que eu. Foi por confiar na sua juventude que resolvi apelar ao tempo, falar que ainda muita coisa podia acontecer, que ele era ainda novo e que o que hoje parece sem saída podia mudar de um dia para o outro. Coisas boas inevitavelmente surgiriam! Mas ele já estava vacinado contra o meu discurso.
“Faz tempo que escuto vocês me falando que ainda sou jovem, que tenho muito tempo e que as coisas que preciso ainda vão acontecer. Não mudou praticamente nada desde a primeira vez que vocês disseram isso e eu não consigo mais esperar. Queria que coisas boas acontecessem no presente. Mas as coisas boas não acontecem assim, do nada, sempre há algum preço a se pagar. E se eu continuar a viver do mesmo modo, como é que posso esperar que o tempo leve a resultados diferentes? Isso é loucura”.
Nesse momento eu já estava preocupado com o que ele seria capaz de fazer, mas ele mesmo tratou de me tranquilizar. “Não vou fazer nada contra mim mesmo. São eles que decidem a hora de partir. Só não sei o que estão esperando”. Ainda falou muitas outras coisas nesse sentido e ao final quis saber: “Você me entende? Ah, a quem estou querendo enganar? Não é dado a um homem entender o outro. No máximo, um homem tolera o outro. E você já tem me tolerado bastante. É hora de partir”.
Levantou-se, tão agitado como antes, e saiu.