O dia em que a minha mãe decidiu parar de falar era uma segunda-feira. Ela havia chegado em casa no fim do dia, mas um pouco mais tarde, porque havia ido pagar a conta de luz. Antes de entrar em casa, ela foi ver se tinha alguma correspondência para nós. Tirou um papel de dentro da caixa do correio, olhou bem para ele e ficou imóvel por um tempo. Depois abriu a porta e entrou, e então as palavras lhe saíram por atropelo. “Não dá mais para pagar a conta de luz! Acabei de pagar uma que já foi uma fortuna, e agora vem outra ainda mais cara! Não dá mais para pagar a conta de luz! E estão dizendo que vai haver outro aumento para o mês que vem! Não dá mais para pagar a conta de luz!”. Ia repetindo essas palavras, as suas últimas palavras, pois depois não quis mais falar.
Eu ainda era adolescente e não sabia bem o que dizer. Sem um emprego, sem grandes contas para pagar, a vida me era muito mais leve. Ouvia notícias de aumento na conta de luz e as reclamações que se seguiam, mas não dava tanta importância assim. Sabia que, de um jeito ou de outro, a conta seria paga, não iriam cortar a nossa luz. Achei que seria assim mais uma vez e nada respondi para a minha mãe. Saí para jogar bola com meu irmão menor.
Quando voltamos para o jantar, notei uma coisa estranha: a televisão não estava ligada. Logo juntei as duas coisas e concluí que a minha mãe estava sacrificando as suas novelas para ver se a conta de luz iria baixar. Achei aquilo uma pena, porque minha mãe realmente gostava das novelas e era bem a época em que uma delas estava entrando na “reta final”. Resolvi não falar nada, mas o meu irmão não tinha o mesmo cuidado e perguntou de forma aberta por que a televisão estava desligada. Minha mãe ouviu, mostrou desconforto, mas não respondeu.
Mandei meu irmão ficar quieto e naquela noite ninguém falou nada durante a janta. Tentei agir como se nada de anormal estivesse acontecendo, porque assim eu talvez pudesse poupar a minha mãe de constrangimentos. Ela estava com o cenho franzido e o pensamento longe. Não pegou muita comida e nem conseguiu comer tudo. Senti-me mal ao ver a minha mãe assim, mas eu sabia que no dia seguinte ela teria esquecido e tudo voltaria a ser como sempre foi. Mas no outro dia ela ainda não falava.
Mamãe já vinha sofrendo muito naqueles dias. O seu trabalho pagava mal e era fonte de muitos desgostos, mas ela não conseguia arrumar outro. O seu celular havia sido roubado, um tênis havia furado, uma cárie lhe doía, e nenhum desses problemas eram solucionados, porque tudo demandava um dinheiro que ela não tinha. Havia ainda as suas constantes crises de labirintite, sem falar de uma recente decepção com um homem que conhecera. E, em cima de nós, vizinhos barulhentos não a deixavam dormir, com a anuência do síndico, que não intervinha.
O silêncio de minha mãe era uma manifestação de sua profunda mágoa com o mundo.
O silêncio de minha mãe era uma manifestação de sua profunda mágoa com o mundo, que permitia que ela passasse por tudo aquilo, que frustrava todas as suas tentativas de conseguir uma vida melhor para todos nós. A conta de luz foi a gota d’água, foi como se ela se desse conta de que, realmente, não há nada a esperar de bom da vida, as tragédias cotidianas apenas se sucedem e isso nunca terá fim, jamais haverá um momento de alento.
Então ela não falava. Continuava fazendo todas as suas atividades normalmente, continuava cuidando de mim e de meu irmão, mas tudo sem emitir uma palavra. Os dias se passaram sem que nada se alterasse e eu achei que aquele viria a se tornar o nosso “novo normal”. Mas eu queria fazer alguma coisa para ajudar. Já havia parado de ver TV e usar o computador e obriguei meu irmão a fazer o mesmo. “Temos que economizar luz”, eu dizia.
Não tínhamos muito o que fazer sem a energia elétrica. Minha mãe passava a noite lendo livros velhos, que certamente ela já sabia de cor. Eu a via sempre com as mãos ao lado do rosto, expressando não apenas tédio, mas desesperança e impotência, a cabeça abaixada lendo uma história que lhe permitia fugir para outra realidade.
Tinha comigo uma nota de 20 reais que a minha avó havia me dado no meu aniversário e que eu estava guardando para comprar um jogo para computador. Eu iria oferecer esse dinheiro à minha mãe para pagar a conta de luz. Não era o suficiente para pagar a conta, mas serviria para compensar o aumento no mês. Minha mãe não iria aceitar esse dinheiro, então só escondi a nota no meio das coisas dela. E saí do seu quarto em silêncio: também achei que havia pouco motivo na vida para falar.