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Home Crônicas Henrique Fendrich

O hálito da morte no ar

porHenrique Fendrich
30 de setembro de 2015
em Henrique Fendrich
A A
"O hálito da morte no ar", crônica de Henrique Fendrich

Imagem: Reprodução.

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Havia dois dias que eu não saía de casa, em parte porque eu estava desempregado e não tinha mesmo para onde ir, e em parte porque eu não queria morrer. Olhei pela janela e descobri que havia geado durante a madrugada, o que era um péssimo sinal. Foi esta a primeira vez em que achei preferível morar em um lugar quente, seco, abafado. Afinal, era por conta desse maldito frio que as coisas haviam chegado a esse ponto. Não se podia sair de casa, não se podia andar de ônibus, e mesmo respirar era motivo de apreensão – sentia-se o hálito da morte no ar.

Sentei-me em frente ao computador para conversar com Isadora. Ela morava longe, só sabia do que estava acontecendo pela televisão, e talvez por isso não levasse muito a sério. Achava que era só uma desculpa para que eu não fosse vê-la. Ou então queria uma prova de amor, que eu enfrentasse o medo, a morte, o diabo, apenas para estar ao lado dela. Mas a verdade é que eu não a amava tanto assim, não a ponto de viajar correndo o risco de ser contaminado.

Porque era exatamente isso o que ia acontecer se eu passasse dez horas dentro de um ônibus fechado, sem circulação do ar. Também poderia viajar de avião, é verdade, mas era mais caro e – isso eu não confessava a Isadora – eu nunca havia voado, tinha medo de voar, temia que o avião caísse na minha primeira viagem. Tinha medo, tinha medo de muita coisa, e uma delas era perder Isadora, perder irremediavelmente, viver sozinho o resto dos meus dias. Enquanto podia, eu ia adiando a viagem, na esperança de que aquela epidemia passasse, diminuísse.

“Não se podia sair de casa, não se podia andar de ônibus, e mesmo respirar era motivo de apreensão – sentia-se o hálito da morte no ar.”

O problema é que não passava e nem diminuía. A cada notícia era maior o número de pessoas infectadas, isso sem falar nas mortes suspeitas. E todo mundo tinha certeza de que os jornais estavam mentindo, que o número de mortos era muito maior do que aquele que estavam divulgando, e que faziam isso para evitar a histeria, o pânico generalizado. A nós, que até então havíamos conseguido escapar, só havia uma saída: o uso abundante do álcool em gel.

Só que o álcool em gel não se encontra em qualquer mercadinho assim não, pelo menos não naquela época. Apenas as grandes redes de supermercado dispunham deste precioso antídoto contra a morte e, mesmo assim, não todas. Era preciso consultar as redes sociais em busca de informações privilegiadas: “No Carrefour do Parolin ainda tinha alguns hoje às 9h35”. E seguia então uma multidão ao Carrefour do Parolin, correndo pela salvação de suas próprias vidas.

Foi quando eu admiti que precisava sair de casa e comprar essa droga de álcool em gel, se é que eu queria mesmo continuar a viver. Após ligeira prece a São Sebastião, o santo protetor contra pestes e epidemias, embarquei em um ônibus. Era terrível: uma multidão de pessoas se roçando, encostando-se nos ferros onde outras pessoas já haviam se encostado. Alguns mais precavidos usavam lenços, e muitos usavam máscaras cirúrgicas. Por um momento pensei no que seríamos capazes de fazer a um sujeito que, por desventura, espirrasse ali dentro. Apesar de tudo, fui bem sucedido na viagem, como prova o fato de estar contando essa história.

Dali a algumas semanas, a gripe suína mostrava sinais de recuo. O amor de Isadora também.

Tags: Crônicaepidemiagripe suínaPandemia

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