Muitas vezes já se decretou a inutilidade dos orelhões em tempos de telefonia móvel e a maioria já foi inclusive retirada das ruas, mas a verdade é que aqueles que existem ainda são bastante utilizados – às vezes, tem até fila diante deles.
Eu mesmo fiz muito uso desse tipo de serviço há poucos anos, logo que me mudei para Brasília e não tinha dinheiro para comprar um celular. Com um cartão de 20 ligações, eu telefonava para a minha mãe em Curitiba, o que me garantia uns cinco minutos de conversa, se o horário fosse bom.
Isto é, eu telefonava, mas apenas quando encontrava um orelhão que funcionasse. Por vezes, era preciso andar até duas quadras para conseguir um que estivesse em condições de uso. Depois que arrumei um celular, não precisei mais de orelhão, a não ser no dia em que perdi meu aparelho e precisei telefonar para mim mesmo. Com essas experiências, de toda forma, eu não estranhei nem um pouco quando vi que estava ocupado o orelhão logo ao lado da parada em que eu esperava pelo meu ônibus.
Não estranhei nem um pouco quando vi que estava ocupado o orelhão logo ao lado da parada em que eu esperava pelo meu ônibus.
Um pouco menos normal eu achei quando o homem que lá estava aumentou o tom de voz, contrariado com alguma coisa que havia acabado de ouvir do outro lado da linha. Mas bastante incomum mesmo foi quando ele começou a gritar, visivelmente alterado.
Pelo que entendi, a pessoa com quem conversava era uma mulher que havia prometido alguma coisa e depois não cumpriu. Seja lá o que tenha prometido a mulher, o fato é que o homem precisava muito daquilo, muito mesmo. E por isso ele não conseguia aceitar de jeito nenhum a explicação que ela lhe dava e nem as sugestões que fazia para remediar a situação.
Sua raiva foi crescendo e dali a pouco disparou a xingar a mulher, que imagino ter então desligado, pois ele começou a dizer “Alou? Alou?”. Bateu o gancho com força, e só então deve ter visto que da parada de ônibus eu o observava.
Não pareceu ter se importado muito com a minha presença e saiu de lá bufando. Passou por mim cheio de fúria, mas logo adiante parou e gritou: “Ah, meu Deus!”. Deu meia volta, tornou a passar por mim e foi pegar o cartão, que havia esquecido dentro do orelhão.