Confesso que, à exceção de alguns períodos bem específicos da vida, tenho deixado a sétima arte em segundo plano. Para mim não é muito fácil ficar duas horas sentado assistindo a um filme. A imagem não me se seduz tanto quanto o texto e muitas vezes fico com a impressão de estar usando um tempo que deveria ser dedicado à leitura, sobretudo porque um dos meus modestos ideais de vida é ler tudo o que já foi publicado em todos os países do mundo. Já basta uma paixão e não convém amar dois senhores. Com isso, é claro, deixo de conhecer muitos tesouros que o cinema tem a me oferecer, mas encontro outros em livros cuja leitura só aconteceu pelo fato de eu estar completamente imerso no mundo da literatura.
Vou bem pouco ao cinema. Quando morava no interior, havia um cinema que só funcionava em intervalos irregulares. Foi lá, de toda forma, que vi filmes como O rei leão. Depois me mudei para a “cidade grande”, mas nem por isso as minhas idas ao cinema deixaram de ser bem esporádicas. O preço do ingresso era um obstáculo para mim – e continua sendo, aliás. Nas ocasiões em que fui a um desses cinemas de shopping, também me incomodou o fato de o público ter uma incrível necessidade de rir, não importando quão triste seja a história apresentada. A mim me agrada mais a contemplação melancólica.
Bem, apesar disso tudo que falo, reconheço que uma das experiências mais bonitas que tive foi vendo um filme em um cinema. Era a época em que eu morava em Brasília e vivia ainda mais sozinho do que agora. Por duas vezes, eu fui ao cinema na noite do meu aniversário. Uma delas foi em um shopping, mas a outra foi no Cine Brasília, cinema de rua projetado pelo Oscar Niemeyer. Naquele dia, havia uma mostra gratuita de filmes e o que eu fui assistir era um filme estranhíssimo que, se bem me lembro, tratava de curiosos ritos fúnebres de alguma aldeia na Ucrânia. Cine “cult” mesmo. Tão cult que havia só duas pessoas assistindo, eu e outro sujeito. Talvez ele também estivesse fazendo aniversário, não sei. Mas se eu queria uma “contemplação melancólica”, isso eu tive de monte, porque o filme era bem lento.
Não foi esse, no entanto, o filme que trouxe a experiência bonita. Fui algumas outras vezes até o Cine Brasília, sempre vendo filmes que não estavam no grande circuito, e um dia, um sábado à noite, fui ver A linguagem do coração, um daqueles títulos horríveis que desanima antes de assistir. Mas eu quebrei a cara, claro. A história é sobre Marie Heurtin, uma menina que nasceu cega e surda. Você imagine o que é a vida de uma pessoa cega e surda. Criada por uma família que não sabia lidar com isso, mais tarde ela seria levada a um tipo de colégio de freiras. O filme aborda as tentativas de uma freira em especial para conseguir se comunicar com Marie. Esse esforço, as crises de desespero da menina, tudo isso gerava situações comoventes. Não demorou até que eu sentisse vontade de chorar – e não me fiz de rogado, chorei mesmo, ali no cinema.
Não demorou até que eu sentisse vontade de chorar – e não me fiz de rogado, chorei mesmo, ali no cinema.
Naquele dia, talvez por ser fim de semana, o cinema estava cheio. No escuro, parecia-me que eu não era o único a chorar. Quando o filme acabou e as luzes se acenderam, eu olhei ao redor: era incrível, mas o cinema inteiro estava chorando. Todo mundo de olhos vermelhos, enxugando lágrimas, soando o nariz. Foi lindo de ver. Aquele filme atingiu a todos de uma maneira muito profunda. Agora eu já tinha vontade de chorar não apenas pela história de Marie Heurtin, mas por estarmos todos ali, vivenciando a mesma emoção, mais próximos, humanos, e mais dispostos a fazer algumas coisas boas para tornar um pouco mais tolerável a nossa permanência na Terra.
É essa a minha experiência mais marcante com o cinema. Talvez eu devesse me arriscar mais por aí para conseguir experiências similares. Mas os livros, ah, os livros, os livros querem todo o tempo só para eles e dificilmente eu resisto aos seus apelos.