Quando não havia internet, eu precisava ir de casa em casa na minha vizinhança comentando sobre os livros que havia acabado de ler. Batia à porta e assim que atendiam – não havia nenhum tipo de cumprimento – eu já começa a falar sobre o que havia mais me chamado a atenção na história.
Às vezes, a pessoa levantava o polegar, em sinal de que havia gostado do que eu havia dito, e então voltava para dentro de casa, sem dizer nada. Em outras, mais raras, a pessoa comentava sobre o que eu havia acabado de falar e então a gente dava início ao que os antigos chamavam de “conversa”. Outras pessoas também podiam participar, inclusive gente que nenhum de nós havia visto na vida.
Devo confessar que bem mais comum era a pessoa ouvir apenas o início do meu comentário e imediatamente me deixar de lado, demonstrando que não estava interessada no que eu tinha a dizer. Isso acontecia principalmente porque logo atrás de mim havia outra pessoa que também queria mostrar ou dizer algo ao meu vizinho. Geralmente, traziam uma foto, e as fotos faziam muito mais sucesso do que os comentários que eu tinha a fazer sobre livros.
Quando não havia internet, eu precisava ir de casa em casa na minha vizinhança comentando sobre os livros que havia acabado de ler.
Naquele tempo, as pessoas precisavam tirar cópias das suas fotos – depois de revelar os filmes – e sair mostrando a todo vizinho, a todo amigo, a todo amigo de amigo com quem travasse relações. Muitos iam até a rua principal da cidade e lá expunham as suas fotos, geralmente do seu almoço ou seu rosto. Alguns gostavam tanto que compartilhavam a cópia.
Bem mais complicado era compartilhar aquilo que uma pessoa dizia. Ainda me lembro bem, mais de uma vez os meus amigos gostaram tanto de uma coisa que eu havia acabado de falar que queriam que também os amigos deles ficassem sabendo daquilo. Para isso, levavam-me com eles e a gente percorria as casas de todos os conhecidos deles a fim de que eu repetisse o que lhes havia dito. Era bem cansativo.
Apesar de tudo, todos interagiam bastante. As pessoas batiam à nossa porta para dizer tudo o que pensavam sobre os assuntos do noticiário. Havia os que recortavam imagens de revistas, colavam frases engraçadas em cima e era suficiente para nós rirmos. Todo dia pela manhã, minha tia atravessava a cidade toda apenas para me desejar bom dia e deixar uma mensagem edificante. Tinha vezes que era só abrir a porta de casa e alguém me citava Clarice Lispector.
Um dia me afastei de casa por duas semanas. Quando voltei, havia 312 pessoas no meu portão, cada uma querendo me mostrar algo que havia feito naquele período. Nos aniversários aparecia muita gente que eu nem me lembrava que era amigo, mas eles só diziam parabéns e iam embora. Se morria alguém, a gente botava uma fita preta na janela e o pessoal ficava louco da vida, porque eles viam a fita mas não tinham como saber quem havia morrido.
Amigos nunca faltavam. Se eu visse na rua ou qualquer outro lugar uma pessoa que me parecesse interessante, aproximava-me dela e simplesmente perguntava: “Vamos ser amigos”? A maioria das pessoas aceitava sem nem reparar direito em mim. A partir daquele dia, eu também visitava a casa dessa pessoa para comentar sobre os livros que lia, e ela vinha à minha para dizer tudo o que pensava. Tive sempre muitos seguidores, gente que me seguia por onde andava para não perder nada do que eu falava.
Todos nós tínhamos uma agenda permanente na qual anotávamos tudo o que havíamos dito para nossos amigos e conhecidos naquele dia. No ano seguinte conferíamos e, caso achássemos que valia a pena, percorríamos de novo as casas dizendo outra vez tudo aquilo que havíamos dito no ano anterior.
Se a gente se cansasse de receber a visita um do outro, mas não quiséssemos dar isso a entender, podíamos usar um estratagema que consistia em um protetor de ouvidos, de maneira que a pessoa podia falar, falar e falar, mas a gente não ouvia mais nada.
Já tínhamos problemas de relacionamento e às vezes um de nós se via obrigado a bloquear o outro. A pessoa era então proibida de entrar na nossa casa, o que se conseguia por meio de um cachorro, mas, nos casos mais graves, era preciso ir até a delegacia a fim de conseguir algum tipo de medida protetiva.
As pessoas me perguntam como eram as brigas naquele tempo, se a gente costumava chegar às vias de fato quando falava de política, mas, para espanto de muitos, isso raramente acontecia. É preciso ter em mente que as ofensas e os xingamentos exigem uma certa distância, uma certa segurança – e isso são coisas que só a Internet pode nos proporcionar.
Ainda bem que ela veio nos facilitar a vida!