Havia uma Rua dos Fundadores, isso é certo. Aparece em documentos antigos. Mas onde é que ficava essa rua? Lancei a pergunta ao meu avô, que conhecia a história da cidade, que era sempre procurado para responder perguntas como essa. O avô pensou, puxou pela memória, mas não conseguiu se lembrar de nenhuma rua que fosse dedicada aos fundadores. Mas ele não era homem de desistir facilmente, não quando o que estava em jogo era conhecer melhor o passado da cidade em que nasceu.
Levou-me então à sala que era o seu pequeno escritório, a sala onde sentava para escrever, para deixar registrado às futuras gerações a história da música e do canto na cidade. Porque o avô também era músico e cantor. Fez parte de uma bandinha centenária, regeu um coral centenário. E, para que nada disso se perdesse, anotava cada apresentação, cada concerto, cada baile, cada viagem de que participava. São sete cadernos pequenos e outro de capa dura, guardados dentro de uma gaveta, no mesmo móvel em que, agora, o avô procura um mapa antigo, na esperança de nele encontrar a tal Rua dos Fundadores.
Honestamente, nem era tão importante assim descobrir o local da rua. Era apenas uma curiosidade minha, depois de haver topado com aquele nome diferente. Mas o avô estava acostumado a me ajudar, desde que o gene da História havia se manifestado em mim. É curioso, pois o avô teve vários filhos, vários netos, mas apenas em mim esse gene se mostrou dominante. Surgiu espontaneamente: um dia me interessei pelo passado da minha cidade e descobri que tinha um avô perito no assunto. Desde então ele me emprestava livros, álbuns fotográficos, respondia minhas dúvidas e ajudava a completar a minha árvore genealógica. Passou inclusive a percorrer os cemitérios da região em busca de datas que me faltavam. Não era muito, portanto, que ele abrisse um mapa antigo em cima da mesa e se dispusesse a procurar por uma rua já esquecida.
Quase seis décadas nos separam, e ali estamos nós dois, reconstruindo a nós mesmos, procurando pistas do passado que ajudou a nos formar.
Quase seis décadas nos separam. E ali estamos nós dois debruçados sobre o mapa, procurando resolver um enigma de um passado remoto, cuja solução não irá nos trazer nenhum benefício além de conhecer mais de onde foi que nós viemos. Um dia o avô irá me observar quieto, em uma reunião de família, e dirá que me entende, que ali só tem conversa de velho. Mas é precisamente dessas que eu gosto. Quero ouvir o avô contar uma história dos anos 50, falar sobre pessoas que já morreram, sobre uma cidade que não existe mais. Quase seis décadas nos separam, e ali estamos nós dois, reconstruindo a nós mesmos, procurando pistas do passado que ajudou a nos formar.
Mas acabou que a gente não achou nenhuma Rua dos Fundadores no mapa. O avô não desiste, diz que vai levar a questão para outras pessoas, alguém há de saber a respeito dessa rua. Essa presteza em me ajudar ele manteve até o final, até o momento em que, ele próprio, se tornou parte da história da cidade. Já se passaram vários anos desde então, eu herdei os seus livros, os seus cadernos, e passei a enxergar no avô que ajeita os óculos, que estuda meticulosamente um papel velho, muito da minha origem e do meu destino. E isso, no fim das contas, foi mais importante do que se descobríssemos a bendita rua.