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Home Crônicas Henrique Fendrich

Sabiá com medo de voar

porHenrique Fendrich
4 de outubro de 2017
em Henrique Fendrich
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Sabiá com medo de voar, crônica de Henrique Fendrich
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Leia ouvindo:
“Down in a hole”, Alice in Chains

Não é uma metáfora, seria gasta demais se fosse. O sabiá realmente tinha medo de voar. Digo isso com segurança, mesmo sem ter nenhum conhecimento da psicologia das aves. O sabiá não estava doente, não estava com algum problema nas asas, nem nada disso: apenas tinha medo de voar. A favor dessa tese, apresento o fato de que ele estava no peitoril da janela. Ora, só há um meio para um pássaro chegar ao peitoril da janela, que é voando. O sabiá podia voar, portanto, havia acabado de fazer isso. O problema é que ele não tinha coragem de fazer isso outra vez. Ficou lá parado, nem um pouco disposto a se mexer.

Quem reparou nele foi a minha mãe. Foi até a janela para ver melhor e o pássaro continuou paradinho. A princípio, minha mãe achou até que estava para morrer, como é que um passarinho não reage? De vez em quando ele piscava, provando que continuava a respirar. Mas não saia dali. Minha mãe me chamou e fui lá olhar. Não era tão pequeno assim, com a idade dele muitos filhotes já estão aprontando poucas e boas pelos ares. Tentei interagir com o sabiá, confesso que tentei até mesmo imitar o canto deles. E o pássaro lá, nem se mexia. Eu nunca me ative a analisar a expressão facial dos passarinhos, mas estou certo de que aquele pássaro estava bravo, eu diria até magoado, e não apenas com a minha imitação: com o Universo em que pássaros como ele precisavam voar.

Eu nunca me ative a analisar a expressão facial dos passarinhos, mas estou certo de que aquele pássaro estava bravo, eu diria até magoado, e não apenas com a minha imitação: com o Universo em que pássaros como ele precisavam voar.

Fiquei admirando aquele mistério, não tinha coragem de pegá-lo. Que faria eu, soltaria o sabiá no chão para aprender a voar na marra? A natureza, por certo, conta com seus próprios meios para lidar com pássaros recalcitrantes. Fato é que ele parecia disposto a passar o resto da sua vida no peitoril daquela janela. Não fugia e também não se animava a entrar. Mas houve um momento em que eu me descuidei, e esse foi o meu mal: quando voltei a ver, o sabiá já não estava lá. Tinha descido, Deus sabe como, estava no quintal ao lado de um sabiá maior.

Devia ser a mãe, suponho. Uma mãe bem faz um pássaro voar. Mas logo se viu que aquela descida foi um gesto intempestivo, algo que ele não se animaria a repetir tão cedo. A mãe ficou procurando comida no chão, tem sempre muita comida aqui por perto, e o sabiá medroso ia seguindo atrás dela. Sério, parecia um pintinho. Houvesse um gato na vizinhança e adeus sabiá. A mãe pegava uns pedaços de comida e levava para ele. Mas a mãe era rápida, ia saltando bem ligeiro de um lado para o outro, e o sabiá, via-se, fazia um supremo esforço para caminhar.

Até que a mãe se distanciou um pouco mais e ele voltou a ficar sozinho. Às vezes ele erguia o olhar, via um dos carros estacionados, chegava a abrir as asas, e então eu achava que ele iria voar até lá. Que nada! Desistia e voltava a ciscar. Ele então se encolhia todo, uma hora chegou até a se esconder embaixo de um carro. Sou capaz de apostar que estava se sentindo um lixo. Vinha a mãe de novo, ele dava um ganido, abria as asas, chegava a balançar, agora vai! Vai nada. A mãe ia até ele, dava mais comida, e ele voltava a segui-la, sofregamente, pelo chão.

E a gente olhava admirado de que ele não se desse conta de que sabia voar. Não era uma metáfora, mas foi difícil ver a cena e não pensar nas asas que me faltam.

Tags: asasCrônicamedopassarinhopássarosabiávoar

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