Custei a acreditar. Era uma calça jeans novinha! E não era das mais vagabundas não, tinha marca e tudo. Pode ser que o meu gesto de abri-la tenha sido meio abrupto, é verdade. Mas nada justifica um botão cair assim, tão facilmente. E mesmo admitindo que botões possam eventualmente cair das calças jeans, me parece inaceitável que, ao fazê-lo, tenham como destino a água do vaso sanitário. Poxa vida, eu só queria fazer xixi, já estava de saída do trabalho, e de repente aquilo!
Olhei para o botão no fundo da privada, onde jazia indiferente. É uma coisinha tão insignificante, mas sem ele as minhas calças caem, e sem as minhas calças eu provavelmente sou detido por atentado ao pudor. Lembrei-me do Hélio Leites e o seu Museu do Botão (muitas coisas passam pela nossa cabeça em uma hora dessas). Mas de tudo é preciso extrair uma lição, e a primeira que me ocorreu foi a de que um botão de calça jeans, se submetido a condições aquáticas, afunda, ao invés de flutuar. Munido dessa informação, eu inclusive já me sinto mais preparado caso um dia seja convidado a participar do programa do Celso Portiolli.
Eu ainda podia ver o desgraçado, mas não sentia nenhuma disposição de espírito para mergulhar a mão em busca dele. E isso também não era garantia de coisa alguma, pois o que é que eu ia fazer com um botão solto de calça jeans? Conheço a mim mesmo o suficiente para saber que entre as minhas habilidades não está a de costureira, especialmente a de costureira que precisa improvisar. Mas eu hesitava em puxar a descarga porque, a partir do momento que fizesse isso, não haveria mais jeito e eu fatalmente teria que sair dali com a calça nas mãos. Só que apenas ficar olhando para o botão também não resolveria nada, de modo que, num impulso, dei a descarga. A essa altura o botão já se misturou com uma porção de coisas bastante desagradáveis, o que foi bem merecido.
Abri lentamente a porta do banheiro e me certifiquei de que estava sozinho. Era o final do expediente e todo mundo já havia ido para casa. Apenas eu permanecia ali, segurando as calças depois que aquele bendito botão havia caído no vaso sanitário. Aproveitei que ninguém estava olhando para avaliar melhor a minha situação. Soltei as mãos da calça e percebi que ela não caía, pelo menos enquanto eu estivesse parado. Tirei as minhas chaves e as moedas que tinha no bolso e arrisquei uns passos. A calça descia, mas não chegava a cair totalmente. Conclui que, com algum cuidado e uma boa dose de sorte, era possível ir para casa sem necessidade de expor as minhas coxas brancas à curiosidade alheia.
Apenas eu permanecia ali, segurando as calças depois que aquele bendito botão havia caído no vaso sanitário.
Meu primeiro desafio era o elevador, que provavelmente estaria cheio de gente saindo do trabalho. Não podia deixar que descobrissem que eu estava segurando as calças para não cair. Quando a porta do elevador se abriu, adotei um ar meio blasé e fiz de conta que estava com a mão no bolso. Ninguém esboçou o menor interesse por mim e pude chegar tranquilamente ao térreo. Lá embaixo, me atrapalhei um bocado para passar o cartão, pois estava com as duas mãos ocupadas, uma segurando a minha pasta e a outra evitando o vexame público.
Alcançada a rua, comecei a caminhar até a parada de ônibus. Nessa altura já não havia mão no bolso que resolvesse. Era preciso parar a cada instante para erguer a calça. Tudo muito discretamente, é claro, para que ninguém percebesse o drama, ou, caso percebesse, que achasse bastante natural um sujeito ter que erguer a calça a cada dois passos.
Mas Deus permitiu que eu chegasse à parada relativamente vestido. Tive que viajar em pé dentro do ônibus e até agora não sei exatamente como encontrei mãos suficientes para me apoiar em algum lugar. O fato é que consegui chegar em casa sem que nada de pior me acontecesse. Fui trocar então de calça, e eu vos digo que nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu com mais prazer do que eu.