As ideias se juntam em fila indiana e pedem a atenção de Isadora. Ela apenas observa, indecisa. Há ideias de todas as cores, tamanhos, credos e times de futebol. Algumas nascem de coisas que ela viveu e outras nascem de coisas que ela ouviu. Várias delas nascem do noticiário. E não há uma única que não tenha nascido de tanto observar. Ela precisa apenas escolher uma ideia e escrever, mas qual delas seria a melhor de todas? Pega, ao acaso, a primeira que lhe aparece na frente. Satisfeita, a ideia se oferece, toda serelepe. Isadora começa a escrever, mas não demora a se decepcionar. Aquela ideia não vinga. Não era o que ela tinha pensado. Isadora arremessa-a contra a parede. Quando pensa em pegar a próxima da fila, ela percebe que todas as ideias se misturaram e agora há um verdadeiro pandemônio, com todas gritando e dizendo que são melhores do que as outras e que merecem ser escritas e eternizadas. Isadora escolhe uma, escolhe outra, e mais outra, mas nenhuma é o que ela queria. Se pudesse, ela não queria escolher. Que houvesse uma única ideia, uma extraordinária ideia e mais nada! Isadora olha para o mundo e olha para si. Olha para dentro de si, cada vez mais para dentro de si. Lá no fundo repousam algumas ideias inconvenientes. Elas também haviam se oferecido, mas Isadora as havia repelido porque elas doíam. Só que agora – que remédio! – era preciso apelar a elas. Isadora escolhe então as ideias que lhe escolheram.*
O poeta encontra um caderno velho, rasgado, com a capa solta. Fica surpreso por ainda ter aquilo. Resolve abrir e seu rosto é imediatamente atingido por sementes de ilusão, que o arremessam ao chão. A muito custo, consegue se aproximar novamente do caderno. Não sabe há quanto tempo escreveu aquilo, apenas que foi em outra época, uma época em que ele, o mundo, a vida, eram mais inocentes. Não há dúvida, é a sua letra, mas como custa a ele admitir que tenha escrito aquilo! Ele evoluiu, o que não significa que não sinta saudade de quem foi. De toda forma, ainda bem que isso não chegou às mãos da imprensa, dos editores, de toda essa gente que pretende explorar cada rabisco que um dia escreveu. E como escreveu, escreveu sobre muitas coisas que ele julgava eternas e agora podia comprovar que não eram, pois nunca mais havia se lembrado delas. Ler de novo até dava a impressão de que seria possível sentir tudo aquilo outra vez, mas já não era a mesma coisa, agora havia sempre uma dorzinha lá no fundo. Ah, como ele era infantil, como ele era idiota, como gostaria de voltar a ser assim. E que foi feito de suas musas, hoje todas envelhecidas, se não já mortas? O poeta não podia mais suportar aquilo e começou a rasgar as folhas e a gritar convulsivamente. Com um isqueiro, resolve queimá-las e põe fogo na própria casa. O poeta morre carbonizado pelas chamas do passado.
O poeta encontra um caderno velho, rasgado, com a capa solta. Fica surpreso por ainda ter aquilo. Resolve abrir e seu rosto é imediatamente atingido por sementes de ilusão, que o arremessam ao chão.*
O jornalista está em crise. As suas colunas são criticadas com uma virulência cada vez maior. Já não está certo de agradar até mesmo aqueles que um dia concordavam com ele. Seus comentários políticos já não possuem a mesma autoridade que antes. E agora nem ele parece se preocupar com isso. Deixou passar em branco um escândalo no Congresso: nem uma linha a respeito. Querem saber sua opinião sobre A Mais Nova Declaração Bombástica do Presidente da República, mas ele não a escreve – se é que a tem. Em vez disso, começou a fazer textos estranhos, para não dizer absurdos. Escreve sobre pássaros, dias de sol, goiabeiras, modas de viola, banhos no rio, folhas secas, até sobre galinhas ele escreve. O jornal o chama para uma conversa. Era preciso falar sobre os temas importantes. Mas o jornalista já não ouve nada. Aproveita a janela aberta e, ao ver uma borboleta, levanta voo e vai lhe fazer companhia.