Uma rodoviária, a maior do Brasil, maior da América Latina! No terminal do Tietê, a gente olha ao longe e não consegue enxergar o fim das plataformas de embarque. Falam em mil destinos, tantas vidas que eu poderia viver se, simplesmente, resolvesse pegar outro ônibus. É que eu já estou do lado de cá, onde só entra quem tem passagem, senão eu bem que queria fazer o que o velho Braga teve vontade, chegar ao balcão de uma companhia, puxar todas as notas e niqueis que tiver no bolso e pedir “me vê isso de passagem”. Há dias ruins, há coisas tristes, há esse desejo de fugir para bem longe… Mas o Braga fala em aeroporto, viagens de duas, três horas. Aqui da rodoviária saem pessoas que passarão dias na estrada. A gente toma café, sai para trabalhar, volta para casa, vai dormir, acorda, e essas pessoas ainda não chegaram ao destino! Há desses destinos a que só se chega com muito esforço.
Mas é gente demais. De certo, todas as pessoas que andam de lá para cá, que carregam as suas malas, que correm, tropeçam e se esbarram, nunca mais voltarão a se ver, cada uma vai para um canto diferente do país, e por motivos que só elas sabem. Não se trata de um feriado, não há aqui a figura do repórter, inquirindo a todos, diligentemente, “para onde é que vocês estão indo?”. Todos se vão, simplesmente se vão, deixando em mim apenas a curiosidade de suas histórias e suas razões. O melhor a se fazer é sentar, soltar as malas, tentar esquecer a multidão.
Pois nem bem eu havia sentado quando se aproximou de mim um senhor, que devia ter os seus cinquenta, sessenta anos, vestido de forma muito simples. Trazia consigo o comprovante de embarque e uma caneta. Queria saber a minha opinião, se eu achava que ele precisava mesmo preencher aquele papel. Respondi que sim, claro, é preciso preencher o comprovante de embarque. Ainda mais hoje em dia, quando a palavra vale tão pouco. Se o senhor falar que o seu nome é João da Silva, ninguém vai acreditar, mas se estiver no papel, ah, o papel… O sujeito então perguntou, timidamente, se eu não poderia preencher para ele. Concordei e ele me passou a sua caneta.
Se o senhor falar que o seu nome é João da Silva, ninguém vai acreditar, mas se estiver no papel, ah, o papel…
Perguntei o seu nome completo e escrevi. Mas não basta apenas um nome, é preciso também alguns números, alguma coisa para provar ao Estado que você é quem diz ser. Aí o homem me mostrou a sua carteira de identidade, a prova cabal de que ele existia. Copiei os números, terminei de preencher e devolvi a caneta. Pelo que pude perceber, aquele homem não era analfabeto. Mas, naturalmente, os comprovantes de embarque não são escritos em português, e sim na língua técnica e fria das pessoas ditas esclarecidas. Convém, pois, procurar um intérprete.
O homem me agradeceu exageradamente. Ainda tirou cinco reais da carteira e quis me entregar. Cinco reais! Recusei, é claro, bem capaz que eu ia aceitar. Não peguei o dinheiro, mas o homem não quis saber não, colocou em cima das minhas malas. E saiu apressado, porque o ônibus dele já havia chegado à plataforma de embarque. A essa altura, ele já está a caminho do Rio de Janeiro, e eu nunca mais o verei. Eram quase duas horas da tarde. Eu não queria, mas devia deixar São Paulo.