Ando sentindo falta de mim, preciso confessar. O cotidiano, repleto de obrigações, horários e tarefas a cumprir, tem por vezes o impacto de um rolo compressor. No último fim de semana, durante breve visita a uma livraria, me dei conta de que há tantos livros que gostaria de ler, mas a constatação de que não sobra mais tempo para nada desanima um bocado. Até mesmo meus impulsos consumistas se renderam e saí da loja com as mãos vazias – e o coração apertado, embora o bolso agradeça. Não sou mais o mesmo.
Há algo de muito errado quando sobra pouco, ou nenhum tempo, para nós mesmos. E não há quem me convença do contrário. O tão debatido ócio criativo, que os italianos também batizaram de dolce far niente, por muito tempo me pareceu uma desculpa tão poética quanto esfarrapada para fugir das obrigações. Mas, à medida em que o tempo avança, percebo que o fazer precisa ter uma relação mais equilibrada com o ser. Viver para trabalhar é uma armadilha da qual fugir pode ser um desafio.
Ando sentindo falta de mim, preciso confessar. O cotidiano, repleto de obrigações, horários e tarefas a cumprir, tem por vezes o impacto de um rolo compressor.
Tenho consciência de que a demanda por mais tempo pode soar como uma reivindicação até certo ponto fútil, de quem teve, como eu, o privilégio de estudar e escolher atividades profissionais das quais não apenas gosto, mas que me trazem muita satisfação pessoal. Mas fato é que, até mesmo nos fins de semana, período teoricamente destinado ao descanso e à vida privada, muitas horas se transformam em trabalho.
Não fosse a certeza de que muito do que faço me traz também prazer, eu estaria sentado à beira de um precipício, como, provavelmente, um punhado de gente por aí, que não tem essa sorte. Penso apenas que está mais do que na hora de puxar o freio e reduzir a velocidade para apreciar a paisagem, observar os detalhes de um caminho de uma mão só. Viver não cabe no currículo, mas é essencial. antes que seja tarde.