O tema da prova de redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), aplicada no último domingo em todo o país, me surpreendeu. Não se esperava que, no momento complexo que o país hoje atravessa, a democratização do acesso ao cinema, ou qualquer outro assunto relacionado à importância da cultura na vida do povo brasileiro, pudesse ser escolhido. O discurso oficial, quando não indiferente, ou simplesmente ausente, tem sido tão hostil e desdenhoso em relação a esse universo, que a surpresa foi quase generalizada. Triste é pensar que muitos talvez não tenham tido o que dizer por se tratar de um tópico muito distante de suas respectivas realidades.
Em uma de minhas redes sociais, uma jovem conhecida que fez a prova disse ter ouvido na saída do exame a seguinte frase: “Não tenho nem água direito em casa, para que vou pensar sobre o acesso ao cinema?”. O tom era, pelo que entendi, entre a indignação e o sarcasmo. Não completamente sem razão, se nos colocarmos no lugar do candidato. Mas fato é que, a despeito de todas as dificuldades que alguém enfrente no dia a dia em sua luta pela sobrevivência, pensar na cultura como algo supérfluo, dispensável, é, em si, um sintoma preocupante: todos precisamos de comida, saúde, educação e segurança, mas também de diversão e arte. Para nos afastarmos da barbárie.
Não demorou muito após seu surgimento, no fim do século 19, para que o cinema se tornasse uma espécie de janela para o mundo, uma forma poderosa de expressão artística e comunicacional capaz de entreter, emocionar, ampliar os horizontes e fazer pensar. Talvez nem sempre nessa ordem, mas, certamente, com essas múltiplas potências. Uma cultura que tem uma cinematografia forte chega mais longe, tornando-se capaz de quebrar estereótipos, difundindo imagens bem mais complexas de sua realidade, a discutindo, questionando e até subvertendo.
Em uma de minhas redes sociais, uma jovem conhecida que fez a prova disse ter ouvido na saída do exame a seguinte frase: ‘Não tenho nem água direito em casa, para que vou pensar sobre o acesso ao cinema?’. O tom era, pelo que entendi, entre a indignação e o sarcasmo. Não completamente sem razão, se nos colocarmos no lugar do candidato. Mas fato é que, a despeito de todas as dificuldades que alguém enfrente no dia a dia em sua luta pela sobrevivência, pensar na cultura como algo supérfluo, dispensável, é, em si, um sintoma preocupante: todos precisamos de comida, saúde, educação e segurança, mas também de diversão e arte. Para nos afastarmos da barbárie.
Por congregar elementos da pintura, teatro, música e literatura, algumas das muitas possibilidades de arte existentes no mundo, o cinema é capaz de encantar, de transportar a outros mundos, mas também de propor debates e provocar reflexões. E tudo isso coletivamente, dependendo da forma de espectatorialidade (palavrinha complicada essa!), de como se assiste a um produto audiovisual.
Em um mundo ideal, deveria haver cinemas em todo lugar: nos bairros periféricos das grandes cidades, e também em seus centros, por vezes sujos e decadentes, porque uma sala de exibição pode ter um poder transformador numa vizinhança. Tampouco deveriam ficar de fora dos circuitos as pequenas localidades do interior do país, nos rincões mais distantes, onde as pessoas também precisam de histórias e imagens, embarcando nas viagens que o cinema sabe tão bem proporcionar.
É certo que as plataformas de streaming, com assinaturas mais em conta, podem fazer um papel importante na formação de plateias, oferecendo um cardápio mais diverso, múltiplo, capaz de tirar o público de uma certa zona de conforto. Mas, voltando ao candidato do Enem que citei no início do texto, como pensar em acesso à internet em banda larga, notebooks, tevês inteligentes e smartphones, se falta água e saneamento básico para tantos neste país? A resposta, inevitavelmente, são políticas públicas de inclusão cultural e digital para todos. Levar a arte e a cultura aonde o povo está.