Entre a verborragia e o silêncio, existe o mundo. Nestes cem dias de quarentena, percebi que alguns ficaram cheios de palavras, ansiosos por falar, por compartilhar. Já outros preferiram – ou optaram – pelo menos, por se calarem.
Há aqueles que mudaram de mala e cuia para as redes sociais, onde, é verdade, já tinham há tempos construído um puxadinho, e lá desenvolveram uma existência paralela. Em tempo quase integral. Compartilharam receitas de pão e bolo, postaram fotos de flores, bichos e filhos, participaram de correntes de livros, discos, filmes. Recordaram infância e adolescência, fazendo confissões em praça pública. Outros, não. Preferiram, quem sabe, colocar a cadeira na calçada para ver a banda passar. Ou simplesmente mergulharam de cabeça na experiência do isolamento. Jamais saberemos.
Cem dias é muito tempo. Quase uma estação do ano, um terço de uma gestação. Fico curioso em saber quem vamos parir ao fim disso tudo. A vontade é de dizer que seremos diferentes, talvez melhores, mais essenciais e humanos, menos frívolos e superficiais, mas será? Há a outra possibilidade: a de estarmos perdendo, neste arrastar das horas, dias, semanas e meses, habilidades sociais, reservas de empatia.
Cem dias é muito tempo. Quase uma estação do ano, um terço de uma gestação. Fico curioso em saber quem vamos parir ao fim disso tudo.
Bipolarmente, às vezes acho que nada será como antes e estou mais próximo de mim. Em outros momentos, me percebo tão ensimesmado que temo, daqui a um, dois, três meses, outra centena de dias, descobrir que o mundo embruteceu, à imagem e semelhança de quem mais desprezamos.
Aprendi a respeitar o silêncio de quem se recolhe, puxando a cortina. E também a ouvir os fogos de artifício de quem abre a janela de sua vida. Não são necessidades antagônicas, e podem até ser complementares. Eu mesmo já acordei com vontade de sarau, repleto de causos e opiniões. Noutros dias, mais quietos, o desejo é imergir na multidão, ser mais um, menos um, com a sensação de ninguém vai dar falta.
O interessante é que, nesta “cententena” (palavra que inventei agora), senti muita vontade de sentar na calçada e tomar umas, em silêncio, com quem pouco ou nada teve a dizer. Talvez em nome de uma cumplicidade que só poderia se concretizar presencialmente. E também quis interagir, fazer minhas listas, narrar meus causos. Cair na folia, enfim. Beber da vida até cair.