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Home Crônicas Paulo Camargo

A fábula de um Zé Ninguém

porPaulo Camargo
17 de abril de 2015
em Paulo Camargo
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"A fábula de um Zé Ninguém, crônica de Paulo Camargo. Imagem: Reprodução.

"A fábula de um Zé Ninguém, crônica de Paulo Camargo. Imagem: Reprodução.

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João cumpriu o seu destino. Tornou-se, enfim, um observador atento do cotidiano, um espectador sempre interessado da vida real. Apenas isso. E está bem assim. É claro que chegou a passar por sua cabeça levantar-se do assento de espectador, subir heroicamente ao palco e ganhar algum protagonismo, com direito a falas, a uma trama recheada de intrigas e reviravoltas e a um final feliz. Ou trágico, por vezes até mais impactante e memorável.

Só que um dia ele percebeu, olhando bem no fundo de si mesmo, que tudo não passava de uma fantasia adolescente, alimentada por muitos livros e filmes. Não estava fadado ao estrelato (tampouco à “coadjuvância”, como se diz lá pelas terras de Odorico Paraguaçu). Era quase organicamente alérgico aos holofotes, cuja luz intensa lhe roubava o espírito e o deixava meio cego, desnorteado, mesmo quando de volta às sombras da rotina, longe da ribalta, e já de novo mergulhado na confortável mesmice do dia a dia.

“Tornar-se o centro das atenções, contudo, não apenas um dia deixou de ser uma possibilidade, mas algo a ser evitado, capaz de desfiar a alma de João, deixando-a exposta sobre o chão. Disforme, amontoada, como um punhado de algo que ele havia sido, mas restava inerte e inapelavelmente morta. Cinzas de um vampiro exposto ao sol.”

João é assim mesmo, um tipo anacrônico em tempos nos quais ser alguém, tornar-se famoso, ainda que por 15 minutos, é tão perseguido, ansiado. Ele tem um perfil no Facebook – mais uma janela que encontrou para observar o mundo –, mas sua página é praticamente inativa, desprovida de fotos. Apenas a protocolar silhueta impessoal em branco sobre um fundo azul da cor do céu.

Podemos, assim, chamá-lo de tímido, ou acanhado, como se diz por aí. E ele não se importa. Concorda até, com o esboço de um sorriso de quem, sem ter exatamente escolhido ser assim, aprende aos poucos a se aceitar na imensidão do anonimato.

Demorou, é bem verdade, um tanto para admitir que, ao chegar a restaurantes e bares, invariavelmente preferia as mesas de canto, de onde podia ver quem entrava e saía, ouvir conversas com atenção, enxergar tudo sem, necessariamente, ser percebido. Ainda que um cumprimento ou outro, uma mesura inesperada, uma troca rápida de frases com um conhecido, não o incomodem e até lhe façam bem, lembrando-lhe da própria existência.

Tornar-se o centro das atenções, contudo, não apenas um dia deixou de ser uma possibilidade, mas algo a ser evitado, capaz de desfiar a alma de João, deixando-a exposta sobre o chão. Disforme, amontoada, como um punhado de algo que ele havia sido, mas restava inerte e inapelavelmente morta. Cinzas de um vampiro exposto ao sol.

Do jeito que escolheu ser, João não é tanto, nem tão pouco assim. Continua sendo, na essência, cada vez mais João. Em forma concentrada. Essa certeza o deixa quase feliz. É seu limite, afinal. E ter encontrado essa fronteira não deixa de ser um grande feito, do qual ele, secretamente, se orgulha.

Há, até hoje, quem enxergue nele uma vaidade às avessas, enrustida na insistência em não se fazer notar. Não seria, perguntam alguns, essa discrição obsessiva uma espécie de exibicionismo? Pode ser. Há malucos (e quem não é um pouco?) de todas as cores, formas e tamanhos. João é do tipo Zé Ninguém, como tantos outros do mundo. Mas também é alguém. Sempre atento à vida que o segue.

Tags: AnonimatoCrônicafábulaFacebookOdorico ParaguaçuZé Ninguém

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