Os dias cinzentos, chuvosos, emprestam a Curitiba uma beleza particular, que, para alguns, pode ser algo angustiante, porque convidam a uma certa introspecção. Olhar para dentro é inevitável. A ausência da luz solar e o ar algo gelado, que fazem o corpo se contrair, como se buscasse proteção em si mesmo, retendo o máximo de calor possível, limitam os gestos e, nas ruas, os olhares, reticentes, também se encolhem um tanto.
Nesse jogo entre a condição humana carente do calor dos afetos, e a natureza, que parece impor suas regras sem pedir muita licença, a busca pelo outro torna-se um desafio. Os passos ficam mais apressados, alguns tentando escapar da água gélida que insiste em cair do céu, ainda que hesitante, intermitente, porém sempre provocativa. A cidade fica mais ensimesmada.
Vem a súbita vontade de ouvir histórias, e, busco, a despeito das condições climáticas desfavoráveis, atiçar minha audição, estendendo minha escuta a quem me cerca. É quando percebo, sentada perto de mim, no ônibus, uma jovem, com fones de ouvido, que chora discretamente enquanto fala com alguém que não vejo: “Sinto sua falta. É tão difícil ficar longe. Às vezes, acho que não vou conseguir”.
O lábio superior da garota treme com sutileza. Os olhos, castanhos claros, esverdeados, fitam o horizonte e as lágrimas escorrem pelo seu rosto sem que ela tente enxugá-las, ou escondê-las. Não soluça, apenas declara seu amor em público, sem qualquer pudor, em voz baixa, mas audível, como se quisesse sussurrar ao mundo toda sua verdade.
Há tempos, não testemunhava um ato de tamanha bravura. “Eu durmo e acordo pensando em você”, “Também te amo”, “Eu me sinto tão só nessa cidade… Ninguém me olha”.
O lábio superior da garota treme com sutileza. Os olhos, castanhos claros, esverdeados, fitam o horizonte e as lágrimas escorrem pelo seu rosto sem que ela tente enxugá-las, ou escondê-las. Não soluça, apenas declara seu amor em público, sem qualquer pudor, em voz baixa, mas audível, como se quisesse sussurrar ao mundo toda sua verdade.
Nesse instante, eu quase me levanto do meu assento para acalmá-la, mas me contenho. Em vez disso, procuro seu olhar, que insiste em manter-se fixo, a verter um choro, que escorre pelo seu rosto em uma demonstração explícita de humanidade que me desafia e enternece. Como fazê-la saber que não está tão sozinha quanto se imagina, que alguém a ouve, e, de alguma forma, a compreende?
Pouco tempo depois, duas paradas à frente, ela se levante, enxuga discretamente o rosto com a mão esquerda, ajeita o cabelo com a direita, e se coloca à minha frente, esperando o veículo parar e abrir suas portas. Por um instante, nossos olhares finalmente se encontram, e meu coração dispara. Ela não tem ideia de quem eu seja, e não parece se dar conta de que ouvi seu desabafo. Se há alguma reação, não a percebo, mas, ainda assim, tomo coragem e ensaio um sorriso, meio sem jeito. Ela fecha os olhos, e solta um suspiro antes de descer, sem nada dizer. Algo, contudo, me diz que entendeu o que eu quis expressar naquele átimo de pessoalidade compartilhado. Eu a sigo sem me mover até que o ônibus se ponha de novo em movimento. Sinto-me menos só neste dia cinzento de Curitiba.