A canção “Como Nossos Pais”, clássico de Belchior imortalizado na voz de Elis Regina, atravessa o tempo com perturbadora atualidade. Fala do choque entre gerações, do confronto entre o velho e o novo. Seus versos mais perturbadores, no entanto, são aqueles que reconhecem como é gigantesco o desafio de mudar, de quebrar ciclos, e não perpetuar valores, preconceitos e comportamentos anacrônicos: “Eles venceram e o sinal está fechado para nós, que somos jovens”, lamentam seus versos, escritos pelo compositor cearense nos anos 1970, no auge da ditadura militar.
Política, contudo mais existencial do que panfletária, a canção, que foi registrada no impecável álbum Falso Brilhante, lançado por Elis em 1975, transita entre o medo da repressão (“Por isso cuidado, meu bem, há perigo na esquina”) e a esperança (“Você me pergunta pela minha paixão/Digo que estou encantado com uma nova invenção”). O poeta diz sentir “o cheiro de uma nova estação”, na “ferida viva” de seu coração. A letra, arrebatadora, é dicotômica, como eram aqueles já distantes anos de chumbo. O sofrimento se entrelaçava ao anseio por mudança, por vezes como uma mordaça, mas também o impulsionando ao movimento, a soltar os cabelos ao vento e cantar a sua verdade.
A canção ‘Como Nossos Pais’, clássico de Belchior imortalizado na voz de Elis Regina, atravessa o tempo com perturbadora atualidade. Fala do choque entre gerações, do confronto entre o velho e o novo. Seus versos mais perturbadores, no entanto, são aqueles que reconhecem como é gigantesco o desafio de mudar, de quebrar ciclos, e não perpetuar valores, preconceitos e comportamentos anacrônicos.
A dor maior, lamentava Belchior, era “perceber que apesar de termos feito tudo que fizemos”, ele e muitos de sua geração, mesmo os mais inquietos e rebeldes, ainda eram os mesmos e viviam como seus pais. Ou seja, todo o inconformismo representado pela contracultura não havia sido potente o suficiente para evitar que o passado se repetisse: “Nossos ídolos ainda são os mesmos” é uma confissão quase conformada, porém dolorosa, ainda que, em seu desabafo, fosse também possível vislumbrar um rasgo de luz. “O novo sempre vem”, mesmo para quem se recusa a aceitar que transformações são tão penosas quanto inevitáveis. Tudo é cíclico, enfim.
O embate entre pais e filhos nunca machuca tanto na obra-prima do trovador quanto quando se ouve que quem lhe deu “a ideia de uma nova consciência e juventude está em casa, guardado por Deus, contando o vil metal”. Quem antes era seu herói, abriu mão de seus ideais e rendeu-se ao conformismo, à imobilidade, por medo ou cansaço. Assim como tantos são e somos neste país, a insistir nos mesmos erros, repetindo uma nova velha história.
Em outa música, da mesma época, o profeta Belchior, preconizaria: “O passado é uma roupa que não nos serve mais”.