Há algo de muito inquietante e sublime no ato de escrever uma crônica. Tem a ver com a liberdade de olhar ao redor, perceber o que acontece dentro e fora de mim, e me permitir, sem pudores, que meus dedos transformem em textos aquilo que de alguma forma fala mais alto, e me sensibiliza de forma evidente naquele dia, ou mesmo no instante exato em que olho para a tela em branco do computador em busca de palavras, ideias.
Sim, pode ser uma imagem do meu cotidiano, algo que me atropele na rotina, me lançando ao alto, me fazendo refletir, ainda que de repente, como depois de um grande susto. Mas também são os sabiás que me acordam quase todos os dias, antes mesmo do sol raiar, anunciando a chegada de um novo ciclo, e me trazendo recordações doces, de momentos atemporais e inesquecíveis, que guardo como um tesouro para essas horas.
Nascido na década de 60, filho da escuridão pós-Golpe, tive a curiosidade, e a sorte, de prestar atenção a esses sinais de luz e seguir em frente, usando a palavra ao mesmo tempo como escudo, lança e meio de vida. Décadas se passaram, e me vejo diante de uma névoa estranha, que, espero, não se transforme em algo que me impeça novamente de voltar a enxergar o horizonte com a liberdade que tanto preso.
A inspiração, se é que essa é a palavra mais precisa, também pode chegar de um olhar inesperado, de uma despretensiosa conversa ouvida no elevador, ou no ônibus, de uma frase fora de contexto, porém capaz de pôr meu cérebro em movimento, e me fazer voar. Posso escrever sobre o que eu bem entender. Porque tenho liberdade para isso.
Nada é mais valioso, pelo menos para mim, do que ser livre para pensar, sentir, viver o que sinto, amar quem eu quiser e expressar essa louca experiência de estar neste espaço-tempo, tão único e valioso, com o coração a bater. Afinal, ultrapassando o tempo, o que nos resta mesmo é o agora. E o futuro começa hoje, em nossos atos, escolhas, desejos, afetos e em palavras, como neste texto, que lançamos ao mundo.
Comecei a adolescer no fim dos anos 70, quando o Brasil vivia sob uma ditadura militar e dizer o que se pensava era quase sempre um risco. Para entender melhor o que se passava, ouvia Chico, Caetano, Milton, Gil e outras tantas vozes, que, por meio da poesia de suas canções, nos davam pistas, talvez direções. Eram o que a personagem Clara, protagonista vivida por Sonia Braga no estupendo filme Aquarius, chama de “mensagens na garrafa”, que a mim chegavam como rotas de navegação alternativas, apontando direções que eu, um garoto que começava a mudar de voz, deveria seguir.
Nascido na década de 60, filho da escuridão pós-Golpe, tive a curiosidade, e a sorte, de prestar atenção a esses sinais de luz e seguir em frente, usando a palavra ao mesmo tempo como escudo, lança e meio de vida. Décadas se passaram, e me vejo diante de uma névoa estranha, que, espero, não se transforme em algo que me impeça novamente de voltar a enxergar o horizonte com a liberdade que tanto preso.
Mudar é inerente à vida e, o tempo me ensinou, creio que devemos ser críticos tanto em relação ao que nos contraria ideologicamente quanto com o que acreditamos. Por isso, escrevo hoje sobre a importância de olhar ao redor, e perceber o que acontece dentro e fora de nós.