Sou padrinho de um cão. Estava presente no momento em que foi escolhido pelo seu dono, hoje um pai devoto, em meio a dezenas de outros animais em um abrigo nas cercanias de Curitiba. Nessa pequena Babel canina lá estava ele, que à época chamava-se Steve e hoje, em homenagem ao rapper paulista, atende pelo nome de Criolo.
Não muito grande, com cerca de 14 quilos e sem uma raça definida, meu afilhado tem uma linda pelagem entre o caramelo e o marrom, rajado de listras pretas, semelhantes às de um tigre, mas talvez herdadas de algum ancestral fila, algumas vezes maior do que ele. Dessas duas criaturas, Criolo não carrega um traço sequer de ferocidade, embora tenha lá seus rompantes irados. A doçura que traz nos olhos reflete seu temperamento dócil: poucas vezes vi um bicho tão afetuoso, disponível, tão de bem com sua vida de cão, especialmente quando livre de guias, solto numa praça com outros cachorros, ou no meio do mato, em galope.
Quando me vê, ou percebe minha chegada, Criolo faz festa, abana o rabo, late, corre em minha direção, coloca suas patas contra as minhas pernas E pode ser que ele tenha me visto minutos antes e, por eu ter saído de seu campo de visão, ele talvez apenas tenha se esquecido de mim por alguns instantes, para depois relembrar de minha existência. Essa felicidade singela me comove. Os cães, costumam dizer, nos devolvem um pouco à humanidade que o dia a dia, a rotina, nos rouba.
Os cães são criaturas interessantes porque, dentro de nossa lógica ilógica enviesada de humanos, neles nos projetamos e enxergamos virtudes que muitas vezes faltam e buscamos em nossos semelhantes. Não que o afeto e a lealdade que nos dedicam sejam menos autênticos.
Quando era guri, tive uma cachorra chamada Lisa, uma pastora do Bergamasco com a qual convivi durante talvez dois anos e que desapareceu da minha vida quando saí de férias. Ao retornar para o início das aulas, meus pais tinham alugado um apartamento menor, onde havia pouco espaço para um animal tão grande, e haviam decidido doá-la, sem me contar, a uns conhecidos que moravam numa chácara. Nunca mais a vi e não tenho certeza se foi mesmo para lá que foi. Fiquei desolado.
Na minha cabeça, por mais absurdo que isso possa soar, há uma conexão entre Lisa e Criolo, embora mais de 40 anos os separem dentro da minha história. Os cães são criaturas interessantes porque, dentro de nossa lógica ilógica enviesada de humanos, neles nos projetamos e enxergamos virtudes que muitas vezes faltam e buscamos em nossos semelhantes. Não que o afeto e a lealdade que nos dedicam sejam menos autênticos.
Criolo, sem que eu me desse muito conta, se instalou, de mansinho, dentro do meu coração. Se para o poetinha Vinicius de Moraes, um de meus ídolos,”o whisky é o melhor amigo do homem, ele é o cachorro engarrafado”, tenho de admitir que conviver com uma criatura canina é um dos baratos da vida. Bom como scotch 18 anos.