Quem considera arte de rua vandalismo está perdido no tempo, e necessita ajustar as lentes do olhar para enxergar melhor o mundo ao redor. O grafite, que no Brasil anda sendo alvo de gestores equivocados que entendem o espaço das cidades como propriedade particular, é, de certa maneira, é uma manifestação tão preciosa para a contemporaneidade quanto as pinturas rupestres. São pegadas, ou impressões digitais narrativas, estéticas e sensoriais de um espaço/tempo, lhe servindo como testemunho imagético, semiótico de sensibilidades urgentes que emergem a céu aberto. Para que todos possam ver.
Em Londres, atravessei no último fim de semana uma ruela transversal à multicultural Brick Lane, alameda onde todos os domingos é realizado um misto de mercado e feira no qual se encontra um pouco de tudo. Nessa esquina, conheci meio ao acaso o trabalho desconcertante de The Stick, um grafiteiro cuja arte me tocou pela aparente simplicidade dos traços, e potente capacidade de provocação por meio da sutileza, da sugestão.
A imagem era de uma figura feminina, coberta da cabeça aos pés, por uma burca muçulmana. Dela viam-se a apenas os olhos. Ao lado, segurando sua mão, uma outra mulher (o sexo dos personagens de Stik nem sempre é muito evidente), desprovida de qualquer vestimenta. Nua, se quiserem.
Conheci meio ao acaso o trabalho desconcertante de The Stick, um grafiteiro cuja arte me tocou pela aparente simplicidade dos traços, e potente capacidade de provocação por meio da sutileza, da sugestão.
Bastante simples na superfície, provavelmente, o grafite sugere proximidade, aceitação, tolerância cultural, religiosa, em uma cidade de múltiplos. Cabe a quem o vê interpretá-lo. E aí está a beleza e a universalidade do trabalho do grafiteiro.
Ex-morador de rua, Stik, como seu próprio codinome em inglês anuncia, se utiliza de figuras humanas que se assemelham a palitos, a rudimentares pedaços de madeira (sticks), para expressar as mais diversas emoções e preocupações sociais que povoam o universo em torno do artista, que sem dinheiro para comprar sprays de tinta, roubava o que conseguia pra realizar seu trabalho – essa seria uma explicação mais pragmática da simplicidade de sua arte.
No início desta década, The Stik, que protege com unhas e dentes sua identidade, assim como Banksy, outro artista de rua agora mundialmente reconhecido, saiu de anonimato quando a imprensa britânica descobriu seus desenhos pelas ruas de Londres.
Hoje, tem obras espalhadas pelo mundo, em ruas, galerias de arte e até em museus. No último ano, algumas delas foram a leilão e arrecadaram US$ 100 mil libras esterlinas, montante que The Stik fez questão de doar ao hospital psiquiátrico onde foi tratado quando ainda residia nas ruas.
Pensando em The Stik, me veem à cabeça as grotescas imagens de grafites sendo apagados no Brasil, em uma cruzada conservadora e higienista, que no fundo denota total desrespeito à liberdade de expressão. Uma noção de poder que suprime as cores por talvez julgá-las subversivas em um projeto de poder de (ainda) discreta opressão e muito cinza, triste.