Através da janela, a paisagem é um tanto sombria. A névoa espessa, algo fantasmagórica, permite que se vejam apenas contornos borrados, indefinidos, como se a realidade derretesse aos poucos. A imagem é perturbadora, porque inibe a vontade de colocar os pés para fora. Algo ruim, ameaçador, parece estar à espreita, aguardando o momento certo para dar o bote e cravar as presas no que somos. A liberdade, de uma hora para outra, tornou-se, aos olhos de muitos, algo a ser combatido, eviscerado diante de todos. Como um inimigo público.
Há algum tempo essa sensação vem se insinuando como uma possibilidade. Mas, nos últimos meses, a neblina tornou-se mais densa, e se antes os raios de sol, ainda que tímidos, eram insistentes, e iluminavam alguns caminhos e convidavam à aventura, o medo agora chuta as portas. A atmosfera de instabilidade, os brados guturais de quem insiste em não escutar, ainda que sem nada de consistente a expressar, sufocam a esperança. Evocam Deus para justificar o injustificável. No lugar de cercas vivas, grades pontiagudas.
Ouço alguém sussurrar lá fora que o arco-íris é uma imagem demoníaca. Esboço um sorriso de estupefação e descrença, mas o riso é nervoso. A diversidade seria uma estratégia utilizada pelo Mal para iludir espíritos mais frágeis, entorpecidos por desejos mundanos, a caminhar em direção do abismo. Querem banir as cores porque elas subverteriam a ordem imposta pelos que mandam marchar em linha reta, sem hesitação, ao som de cânticos e pisadas de coturnos, de aleluias disparados como balas de fuzil, perfurantes e destruidoras.
Através da janela, a paisagem é um tanto sombria. A névoa espessa, algo fantasmagórica, permite que se vejam apenas contornos borrados, indefinidos, como se a realidade derretesse aos poucos.
Talvez o que se vê, espero, seja apenas uma intempérie passageira e, dentro de algum tempo, essa bruma se dissipe, cedendo lugar a uma onda de calor mais solidária. Nessa esperança, quebro o silêncio do temor, recitando, como uma oração, os versos libertários do profeta Nelson Cavaquinho: “O sol há de brilhar mais uma vez/A luz há de chegar aos corações/Do mal será queimada a semente/O amor será eterno novamente”. Amém.