Uma das peças que mais chamam atenção no ateliê de dona Irineia Nunes da Silva, situado dentro de sua casa, no quilombo de Muquém, em União dos Palmares, Alagoas, é uma jaqueira, em cujos galhos se veem homens e mulheres empoleirados.
Enquanto trabalha no barro uma de suas famosas cabeças de cerâmica, a artesã, das mais reconhecidas no país e considerada patrimônio cultural vivo de seu estado, conta que a árvore que criou retrata um momento doloroso vivido em 2010, quando as águas do rio Mundaú, de onde vem sua matéria-prima, subiram oito metros e destruíram quase todas as casas de sua comunidade formada por 150 famílias e localizada a poucos quilômetros do mítico Quilombo dos Palmares, aos pés da Serra da Barriga. “Muitos daqui sobreviveram subindo no pé de jaca, até chegar o socorro”, diz a senhora, mãe de 11 filhos, que neste ano completa 70 anos.
Enquanto trabalha no barro uma de suas famosas cabeças de cerâmica, a artesã, das mais reconhecidas no país e considerada patrimônio cultural vivo de seu estado, conta que a árvore que criou retrata um momento doloroso vivido em 2010, quando as águas do rio Mundaú, de onde vem sua matéria-prima, subiram oito metros e destruíram quase todas as casas de sua comunidade formada por 150 famílias e localizada a poucos quilômetros do mítico Quilombo dos Palmares, aos pés da Serra da Barriga.
Descendente de escravos, possivelmente remanescentes de Palmares, e de índios que também habitavam a serra, dona Iríneia trabalha acompanhada do marido, seu Antônio. Por décadas, ele foi canavieiro, e depois operário de usinas de açúcar da região, até se aposentar definitivamente. “Aprendi com ela, olhando.” O casal cria lado a lado, em sintonia, mas ele não hesita em dizer que a artista da casa é mesmo a esposa e ele só a ajuda. As peças da velha senhora hoje estão à venda em galerias de arte de São Paulo e Rio de Janeiro e também já chegaram à Europa pelas mãos de colecionadores, que ajudaram a construir o nome da artesã mundo afora.
Entre esses admiradores internacionais, um arquiteto alemão há poucos meses de passagem por Muquém, a presenteou com o ateliê de paredes azuis onde hoje ela cria suas esculturas com mais conforto. O cômodo fica nos fundos da casa onde mora com filhos e netos, construída, depois da enchente de 2010, em uma área mais afastada do rio. A antiga, derrubada pelas águas, foi abandonada em ruínas.
Quando chego para conhecer dona Irineia, por sugestão de João Paulo, funcionário da Prefeitura de União dos Palmares, ela trabalha em companhia do marido e de uma irmã mais nova. A residência, bastante simples mas visivelmente maior e mais confortável do que a de seus vizinhos, não tem ar condicionado e o calor ultrapassa os 30 grau, “Esse calor me faz mal. Semana passada fui pro hospital por causa da pressão alta”, conta, dando risadas. Pergunto quando descobriu a cerâmica e ela fica em silêncio, parecendo fazer as contas. “Mais de 40 anos, mas não foi de menina, não.”
Um dos grandes orgulhos da vida da artesã é ter a réplica em grande proporções de uma de suas esculturas mais conhecidas, “O Beijo”, transformada em obra pública, na Lagoa da Anta, em Maceió. “Fiquei muito feliz com a homenagem.”. Nas prateleiras espalhadas pelo ateliê, há várias versões da peça. Chama a atenção que algumas são como a de Maceió, um beijo na boca entre um homem e uma mulher, mas também há versões entre dois homens e duas mulheres. Indago por quê. “Faço para todos os gostos. Tem todo tipo de amor no mundo, rapaz.” Rimos juntos, em cumplicidade.
Se todos fossem iguais a dona Irineia.