• Sobre
  • Apoie
  • Política de Privacidade
  • Contato
Escotilha
Sem Resultados
Veja Todos Resultados
  • Reportagem
  • Política
  • Cinema
  • Televisão
  • Literatura
  • Música
  • Teatro
  • Artes Visuais
  • Reportagem
  • Política
  • Cinema
  • Televisão
  • Literatura
  • Música
  • Teatro
  • Artes Visuais
Escotilha
Home Crônicas Paulo Camargo

O conflito entre o ser e a maçã de Steve Jobs

porPaulo Camargo
7 de outubro de 2011
em Paulo Camargo
A A
Ilustração: Joost van der Ree

Ilustração: Joost van der Ree

Envie pelo WhatsAppCompartilhe no LinkedInCompartilhe no FacebookCompartilhe no Twitter

Há muitos anos, em um curso que fiz em Washington, um professor de Antropologia me fez pensar pela primeira vez sobre a possibilidade de existirem diferenças entre as formas de ser, sentir e agir das pessoas nos Estados Unidos, Inglaterra ou Alemanha, e nativos de países latinos, como Brasil, Portugal e Itália. “Vocês vêm de lugares onde a cultura do ser é muito mais importante do que a do fazer. Aqui, pouco importa seu sobrenome, de que família você é. Vale o que faz, o que tem a capacidade de produzir.” Lembro de ele ter citado, entre outros exemplos, um certo Steve Jobs, gênio da informática que, em 1994, eu não tinha muita noção de quem fosse.

Na hora, tive a sensação de ter levado, ao mesmo tempo, um soco e um afago. De ter ouvido um insulto e um elogio, indissociáveis um do outro. Para ele, os mediterrâneos e os latino-americanos também teriam, em certa medida, a vantagem de viver com mais intensidade, guiados muitas vezes por seus sentimentos e emoções, e de não serem como os germânicos e anglo-saxões, reféns de uma racionalidade por vezes cerceadora e restritiva.

Minha primeira reação foi desqualificar o discurso como uma generalização simplista, discriminatória e conveniente (para ele), do tipo “Somos mais ricos, mais desenvolvidos, mais civilizados, porque nosso foco está em produzir, e não em questões subjetivas, menores e existenciais”. Sem falar que aquela história de “não importa quem você é” parecia, em meados da década de 90, ainda deixar de fora afro-americanos e outras minorias.

Provavelmente, nem fosse a intenção do professor norte-americano fazer de sua fala um discurso de autoelogio cultural e, assim, se colocar em um patamar superior. Mas confesso que aquelas palavras permaneceram ecoando em meus ouvidos por bastante tempo – e eu, com frequência, me via questionando se, de fato, eu seria mesmo um representante da “turma do ser”, e não da “do fazer”.

Mas o tempo passou e acabei encaixotando a tal teoria de Antropologia Cultural em meu baú de memórias. Até que, há algumas poucas semanas, ouvi uma conhecida, em meio a uma conversa da qual eu participava por força das circunstâncias, dizendo, sem qualquer pudor, que não se deve confiar muito em “quem não tem berço”, fazendo uso de uma expressão tão antiga e introjetada em nosso imaginário, que não nos damos conta das inúmeras conotações e desdobramentos que possa ter. De que berço, afinal, ela estaria falando? Do esplêndido, cantado pelo nosso Hino Nacional?

Naquele instante, como por encanto, me vi transportado à sala de aula onde tinha ouvido a tal fala sobre as distinções entre a to be e a to do culture.

Naquele instante, como por encanto, me vi transportado à sala de aula onde tinha ouvido a tal fala sobre as distinções entre a to be e a to do culture. Era como se o velho mestre, em algum lugar do passado, estivesse rindo de mim. Não com escárnio, ou desdém, mas com a condescendência daqueles que têm a paciência de esperar que o outro cresça, amadureça e, finalmente, compreenda suas palavras, sem tomá-las ao pé da letra, ou como valor absoluto e inquestionável. E perceba o seu significado.

Quando voltei a prestar atenção ao que dizia minha interlocutora, que àquela altura defendia a causa “das pessoas que receberam boa educação como ela”, e “cresceram em bairro de gente decente, de bem”, percebi que eu precisava me levantar e sair dali com toda a rapidez. Que no mundo dela, de berços, eiras, beiras, nomes e sobrenomes, sobrava tempo e preconceitos e faltava ocupação, ideias construtivas, humanismo e solidariedade. Em seu elogio descarado aos “bem nascidos”, percebi como pode ser cruel, sectária, equivocada e, por fim, atrasada a tal cultura do ser, dependendo de como ela dá as suas caras. Restou-me então, pedir licença e partir.

Tinha mais o que fazer. Talvez tentar dar uma mordida na maçã de Steve Jobs.

Tags: AlemanhaAntropologia CulturalBrasilCrônicaInglaterraItáliaPortugalSteve JobsWashington

VEJA TAMBÉM

Calçadão de Copacabana. Imagem: Sebastião Marinho / Agência O Globo / Reprodução.
Paulo Camargo

Rastros de tempo e mar

30 de maio de 2025
Imagem: IFA Film / Reprodução.
Paulo Camargo

Cabelo ao vento, gente jovem reunida

23 de maio de 2025
Please login to join discussion

FIQUE POR DENTRO

Calçadão de Copacabana. Imagem: Sebastião Marinho / Agência O Globo / Reprodução.

Rastros de tempo e mar

30 de maio de 2025
Banda carioca completou um ano de atividade recentemente. Imagem: Divulgação.

Partido da Classe Perigosa: um grupo essencialmente contra-hegemônico

29 de maio de 2025
Chico Buarque usa suas memórias para construir obra. Imagem: Fe Pinheiro / Divulgação.

‘Bambino a Roma’: entre memória e ficção, o menino de Roma

29 de maio de 2025
Rob Lowe e Andrew McCarthy, membros do "Brat Pack". Imagem: ABC Studios / Divulgação.

‘Brats’ é uma deliciosa homenagem aos filmes adolescentes dos anos 1980

29 de maio de 2025
Instagram Twitter Facebook YouTube TikTok
Escotilha

  • Sobre
  • Apoie
  • Política de Privacidade
  • Contato
  • Agenda
  • Artes Visuais
  • Colunas
  • Cinema
  • Entrevistas
  • Literatura
  • Crônicas
  • Música
  • Teatro
  • Política
  • Reportagem
  • Televisão

© 2015-2023 Escotilha - Cultura, diálogo e informação.

Sem Resultados
Veja Todos Resultados
  • Reportagem
  • Política
  • Cinema
  • Televisão
  • Literatura
  • Música
  • Teatro
  • Artes Visuais
  • Sobre a Escotilha
  • Contato

© 2015-2023 Escotilha - Cultura, diálogo e informação.