Tenho um vizinho que insiste em sair de casa sem máscara. Recusa-se, inclusive, a usá-la em áreas comuns do prédio. Ostenta sua cara lavada, barbeada todos os dias, como um desafio. Nunca o vi sorrindo, mas parece estar sempre rindo, internamente, da tragédia em que estamos imersos, como se fosse algo inventado, uma bobagem que não merece sua atenção ou respeito.
Está sempre só, ou acompanhado de sua cachorra, um animal arisco, não muito grande, que late raivosamente a qualquer provocação. Meu vizinho não late, mas tenho a impressão de que gostaria. Traz nos olhos ressentidos uma energia belicosa, de quem está sempre pronto a sacar as armas, a atacar, embora tenha uma aparência contida, recatada. Por isso, na dúvida, eu o evito.
Como mora nos últimos andares do edifício, não raro me deparo com ele no elevador, rumo ao térreo. Quando abro a porta e ele está ali, desprovido de qualquer proteção. Fico desconcertado e freio meus passos. “Pode descer” é a única frase que sai da minha boca antes de deixá-lo descer sozinho com sua arrogância. Desisti há muito de cumprimentá-lo.
Tenho um vizinho que insiste em sair de casa sem máscara. Recusa-se, inclusive, a usá-la em áreas comuns do prédio. Ostenta sua cara lavada, barbeada todos os dias, como um desafio.
Esse homem, que parece ter idade próxima à minha, tornou-se, em meu cotidiano, a personificação do desconforto que sinto no Brasil de hoje. Ele reproduz nas atitudes, na agressividade passiva de seu desdém pelo bem-estar coletivo, algo maior que ele – e bem mais assustador: a certeza de que está certo, porque há um discurso oficial que o impulsiona. O inimigo mora ao lado.