Vivo em um país triste. Não o vejo assim apenas. Essa percepção é mais profunda: tenho, pela primeira vez em muito tempo, medo do Brasil. O tal gigante adormecido, do qual sempre ouvimos falar, começa a despertar e, temo dizer, ele assusta, porque não parece conhecer, ou mesmo se interessar, pelo chão que irá pisar. Sua determinação em mover-se a passos duros, assertivos e militares, pode até demonstrar algum ímpeto, determinação, mas também já é clara sua indiferença pelo leito que por tanto tempo abrigou seu sono. Quer rugir bem alto, assustar para subjugar.
Eu gostaria mesmo é de fugir desse monstro, que já dá seus primeiros sinais vitais, emite sons (ou seriam grunhidos) e se move com estrondo, embora permaneça deitado, à espera do despertador, programado para ecoar em breve. Escapar na calada da noite sem que ninguém me veja, ou ouça. Não posso, contudo. Talvez na verdade eu não queira, lá no fundo, dar à criatura o prazer da minha ausência, o doce sabor de me ver em disparada, reverente à sombra que ele já projeta, encobrindo corações e mentes ao meu redor.
Por ora, escolho resistir. Talvez nem tanto por coragem e dever, mas porque tenho vontade de, caso ele de fato consiga se pôr de pé, sua figura grotesca por fim acabe revelando desequilíbrio, incapacidade de andar com as próprias pernas, e comece a dar pisadas erráticas, embriagadas com o poder que o entorpece.
Vivo em um país triste. Não o vejo assim apenas. Essa percepção é mais profunda: tenho, pela primeira vez em muito tempo, medo do Brasil. O tal gigante adormecido, do qual sempre ouvimos falar, começa a despertar e, temo dizer, ele assusta, porque não parece conhecer, ou mesmo se interessar, pelo chão que irá pisar.
Sei que pisará em muitos nesse caminho, por mais curto que seja, e deixará um inevitável rastro de destruição. Desconfio, no entanto, que ele não irá muito longe e gostaria de assistir de perto aos tropeços, à desorientação, à perplexidade e, por fim, à queda. Tombará sobre tantos, culpados e inocentes por seu despertar, e esse colapso talvez seja essencial para, enfim, nos livrarmos das nuvens carregadas de angústia, desesperança e violência, que já começam a cobrir o céu sobre nossas cabeças.
Vivo em um país triste, e a cada segundo mais fascinado pelo tão aguardado despertar desse gigante, alimentado há séculos pela ignorância de quem nele deposita a esperança de salvar esta terra e seus habitantes. Vivem a cutucá-lo, a soprar-lhe nos ouvidos: “Acorda! Vem nos resgatar de nós mesmos!”. Muitos não sobreviverão para vê-lo mergulhar de novo na escuridão de onde veio. Se assim tanto desejam, que se cumpra o destino.
Esperaremos com resiliência pelo retorno da sabiá, que voltará a cantar anunciando um novo amanhecer. Ela é maior do que o monstro. Disso eu tenho certeza.