A febre do vinil e a volta dos toca-discos, em tempos de bluetooth e do desaparecimento acelerado das mídias físicas; e o fenômeno representado pela série Stranger Things, que resgata de forma quase fetichista a cultura pop da década de 1980, são arroubos nostálgicos charmosos e aparentemente inofensivos que denunciam, talvez, um desencanto com o presente. Até aí, tudo bem. Mais perturbador é pensar que sejam também sintomas do esgotamento das utopias, do futuro como uma instância de possibilidades e mudanças para melhor.
O passado é, muitas vezes, um lugar seguro. Talvez por isso a nostalgia seja um refúgio tentador. “No meu tempo era melhor” é uma frase que ouve-se com frequência de quem enfrenta dificuldades em aceitar o aqui e o agora, tão incertos. Esse temor do abismo ao qual um passo mal dado ou uma decisão precipitada podem conduzir, fazem com que a paisagem vista pelo retrovisor seja, de certa forma, mais reconfortante e, claro, mais sedutora. Viver de saudade assusta menos do que de expectativas incertas.
A febre do vinil e a volta dos toca-discos, em tempos de bluetooth e do desaparecimento acelerado das mídias físicas; e o fenômeno representado pela série Stranger Things, que resgata de forma quase fetichista a cultura pop da década de 1980, são arroubos nostálgicos charmosos que denunciam, talvez, um desencanto com o presente.
Ao meu redor, esse culto ao que já se foi, ainda que jamais tenha sido de verdade, tornou-se uma febre entre muitos. Políticos se apropriam dessa vulnerabilidade coletiva e a transformam em instrumento de manipulação das massas. Prometem devolver a cidade segura, paroquial e maquiada de tempos idos. Ou o país do futuro, embalado pela ilusão de um milagre econômico edificado sobre bases muito frágeis, sob o comando autoritário de quem não tolerava dissenso, calando quem a ele se opusesse.
Reconheço, no entanto, que é quase inevitável romantizar o que já se foi, como uma estratégia para tornar mais leve a bagagem que se carrega. É certo que o presente, pela incerteza que representa, assusta e gera muita ansiedade, essa faca de dois gumes que pode tanto paralisar quanto gerar movimento, dependendo como se lida com ela.
Eu mesmo me pego amaldiçoando o presente, ao perceber que há hoje no Brasil mais farmácias do que livrarias e, em todas as direções para onde olho, as pessoas parecem imersas nas telas de seus celulares, alheias, como se naquele mar de possibilidades virtuais, pudessem encontrar todas as respostas. Sem perceber que suas perguntas vão ficando cada vez mais limitadas, por conta dessa desconexão com o mundo de pessoas, relações e experiências de verdade.