Delicadamente, ele repousa a mão sobre o ombro do filho que, absorto, não tira os olhos da tela do celular. Assiste a um vídeo, com fones de ouvido. Mal percebe o gesto de carinho do pai, que tenta espiar o que o adolescente está vendo, mas, talvez envergonhado de sua curiosidade invasiva, desiste, e tenta mais um afago nos cabelos do garoto. Por um instante, ele reage, esboça um meio sorriso e volta ao seu mergulho virtual. Não chega a se esquivar, mas deixa o gesto do homem solto no ar, sem resposta, sujeito à sua não planejada indiferença.
O pai, de seus 40 e poucos anos, não muito alto, de porte atlético, jovial até, se parece bastante com o garoto. A semelhança chega a chamar a atenção. Olhos castanhos escuros, emoldurados por sobrancelhas grossas. O queixo quadrado, meio inquisidor, também é o mesmo. Eles aguardam o início de uma sessão de cinema: vão assistir juntos ao mais recente filme de super-heróis. Mas parecem tão distantes um do outro, que me sinto um pouco incomodado e, ao mesmo tempo, curioso. Há pouco tempo, eu voltei a conviver diariamente com meu pai após um distanciamento, geográfico e emocional, de quase 30 anos.
Delicadamente, ele repousa a mão sobre o ombro do filho que, absorto, não tira os olhos da tela do celular. Assiste a um vídeo, com fones de ouvido. Mal percebe o gesto de carinho do pai, que tenta espiar o que o adolescente está vendo, mas, talvez envergonhado de sua curiosidade invasiva, desiste, e tenta mais um afago nos cabelos do garoto.
Como não estou sentado muito distante deles, observo pequenos gestos, e ouço as pouquíssimas palavras que trocam. “Cara, larga esse celular um pouco!”, dispara o pai, em voz baixa, quase sussurrada, em um apelo de contida irritação. O menino não responde, e nem parece ouvir, e sua mudez deixa o homem desconcertado. Percebe que os acompanho com o canto dos olhos e evita fazer contato visual comigo. Balança as pernas, impaciente, como se estivesse frustrado com a situação. É inevitável que eu tente preencher, com uma trama inventada, as lacunas do que eu não sei.
Talvez o homem seja divorciado, e este seja o único momento da semana em que pode estar a sós com o filho, que insiste em se fazer um ausente presente, mergulhado numa dimensão paralela, uma bolha que o protege do mundo externo, e da insistência do próprio pai em compensar num fim de semana um distanciamento bem mais profundo.
Percebo, rindo sozinho, que acabo projetando nos “meus personagens” um pouco da minha própria história. Meus pais se separaram quando eu tinha 10 anos e o convívio com a figura paterna, antes diário, tornou-se lentamente mais esparso. Muitos laços foram se afrouxando até se desatarem, e hoje, ele com quase 80 anos, e eu com mais de 50, estamos nos encontrando de novo, reconstruindo pontes que se desintegraram com o tempo.
A espera termina pela sessão, e os dois se levantam, se dirigindo à sala de projeção a passos lentos. De costas, são ainda mais parecidos, até na forma de andar. Prevejo que, em pouco tempo, o filho ultrapassará a altura do pai, que repousa, timidamente, a mão no ombro do garoto, ainda com os fones nos ouvidos. Eu os sigo com os olhos até desaparecerem.