Não lembro muito bem quando dona Yolanda, minha professora de Língua Portuguesa na quinta-série, chamou minha mãe para conversar. “O que você andou aprontando?”, foi o que ouvi em casa. Não soube o que responder. Talvez tivesse mesmo feito algo de errado. Era disperso, gostava de conversar em sala de aula, e àquela época passava por um momento difícil: meus pais tinham se separado no ano anterior e, embora fizesse de conta de que tudo estava bem, um misto de tristeza e revolta me consumia por dentro. Só que eu não falava sobre o assunto. Apenas sentia.
A conversa foi bem diferente do que eu imaginava. A senhora nordestina, há muitos anos radicada no Rio de Janeiro, quis logo saber de onde éramos – o sotaque sulista de minha mãe, bem mais forte do que o meu, denunciava. Após esse quebra-gelo, eu soube mais tarde, perguntou se havia livros na casa, se eu lia muito e, por fim, se tínhamos escritores na família. Tirando uma tia-avó, que escrevia poesias, mas que morrera muitos anos antes de eu nascer, ninguém muito próximo cultivava o hábito da escrita, não que ela soubesse. E, sim, eu lia bastante, ouviu a professora.
Não lembro muito bem quando dona Yolanda, minha professora de Língua Portuguesa na quinta-série, chamou minha mãe para conversar. ‘O que você andou aprontando?’, foi o que ouvi em casa. Não soube o que responder. Talvez tivesse mesmo feito algo de errado.
“Ele escreve muito bem, mas parece estar tão triste. Mais do que escrever bem para um garoto da sua idade [11 anos], ele gosta muito da palavra. Parece feliz quando peço para fazer um texto. Paulo tem que escrever na vida dele.” Além de uma recomendação professoral, ou um conselho de uma senhora experiente, dona Yolanda, com essas palavras, acendeu uma luz. Iluminou algo que se desenhava em mim, na minha vida, e, provavelmente sem se dar conta, ajudou minha mãe a me perceber melhor naquele momento.
Minhas notas em Matemática andavam aos trancos e barrancos e eu enfrentava enorme dificuldade para me concentrar em algumas matérias, porém as aulas de Português e Literatura (e também as de História, pelo que me recordo) me resgatavam do que hoje percebo ter sido um estado de melancolia juvenil diante do esfacelamento da minha vida familiar.
Dona Yolanda, que escrevia cartas aos alunos que gostava, e nos recomendava livros, para que sempre tivéssemos algo interessante ao alcance dos olhos, foi decisiva em minha vida. Legitimou quem eu era, me apontando o caminho para o que eu poderia vir a ser. Hoje, Dia dos Professores, penso nela, que, soube há não muito tempo, morreu dormindo. Sou grato. Para sempre.






